domingo, 23 de maio de 2010

Bate-papo Spaceblooks 3: Steampunk!



2010.05210943P6 — 18.214 D.V.

“Todo Jetson tem dentro de si um Flintstone.”
[Fausto Fawcett]



Estivemos ontem à noite na livraria Blooks para a Spaceblooks III, terceira e última das mesas-redondas temáticas informais, com a missão de papear sobre o subgênero steampunk, com a participação do autor e quadrinista Alexandre Lancaster; do escritor, músico e artista multimídia Fausto Fawcett e deste vosso escriba.

A Spaceblooks foi um ciclo de três mesas-redondas que se realizou em três quintas-feiras seguidas de maio (dias 06, 13 e 20), concebidas por Octavio Aragão e Toinho Castro, os dois curadores responsáveis pela organização do evento.

Antes de chegar à Blooks, dei um pulo no Botafogo Praia Shopping vindo do trabalho à procura de um caixa eletrônico e acabei encontrando com a Ana Cristina Rodrigues, hiperconectada como sempre, em companhia de seu notebook, aboletada numa poltrona da filial da Starbucks.

Uma vez abastecido do vil metal (que de vil não tem nada), seguimos juntos até a galeria do Artplex Unibanco, onde a livraria Blooks está instalada. Quando chegamos, já estavam presentes os outros dois membros da mesa-redonda. Lancaster ficou batendo papo conosco e Fausto Fawcett se reuniu a nós quando nos aproximamos das cadeiras onde nos sentaríamos.

Ausência notada nas duas Spaceblooks anteriores, o Presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC) Eduardo Torres brindou-nos com sua presença, chegando direto do aeroporto Santos Dumont para assistir nossa mesa-redonda.

Pouco antes do começo da parte oficial do evento, passei às mãos do Octavio em avant-première o prefácio da antologia Vaporpunk!, cujo subtítulo deverá ser “relatos steampunks publicados sob as ordens de Suas Majestades”. Péssima ideia, pois foi difícil convencê-lo a não ler o texto ali mesmo na livraria. Como discutíamos sobre as diversas definições de steampunk, aproveitei para lhe passar também uma cópia surrada de um ensaio de história alternativa sobre o subgênero que escrevi lá por idos do remoto ano de 1997, publicado no saudoso fanzine Megalon.

Antes do começo do bate-papo, autografei um exemplar do Xochiquetzal, uma Princesa Asteca entre os Incas para o Rafael Lupo Monteiro e comentei com ele que, infelizmente, a Draco não havia mandado exemplares do romance para o evento. Mais tarde, já no fim do evento, descobri o quanto havia sido injusto: o Erick Sama de fato havia mandado os livros para a Blooks.

Cláudia chegou pouco antes do início, quando já estávamos sentados na mesa conversando os três sobre dietas e regimes. Fausto emagreceu um bocado desde janeiro de 2009, quando estivemos juntos numa mesa-redonda sobre cyberpunk na Campus Party lá em Sampa. Está parecendo bem mais jovem do que um ano e meio atrás.
Convidados da Spaceblooks 3

Como já havia feito na segunda Spaceblooks, Octavio apresentou os três participantes da mesa e em seguida me passou a palavra. Enunciei brevemente o que o cânone considera steampunk, com direito a citações de St. Peter (Nicholls) em favor de O Homem-Elefante e O Jovem Sherlock Holmes, para em seguida me confessar um herege e apresentar minha própria visão subgênero menos restritiva que a ortodoxia pregada na Encyclopedia of Science Fiction, a Bíblia do gênero. Tendo procurado seguir minha própria exegese do subgênero, tanto no âmbito da antologia que estou organizando quanto fora dela.

Em seguida, Fausto Fawcett falou sobre as interseções entre as narrativas da ciência e tecnologia do passado e a tecnologia real do presente e do futuro próximo. Lutando para se entender com seu microfone, Lancaster falou sobre as edisonades norte-americanas escritas no século XIX e sua influência na FCB escrita no subgênero pulp no século XXI.

Encerrada a primeira fala dos três convidados, iniciamos um bate-bola sobre futurismo, criatividade, ficção científica, história alternativa e até mesmo um pouco de steampunk.

Assumindo o papel de moderador, o curador Octavio interveio para solicitar que eu e Lancaster falássemos um pouco de nossa produção dentro do subgênero steampunk. Lancaster falou um pouco da HQs que está produzindo e passou exemplares da mesma pela plateia. Do meu lado, falei da antologia Vaporpunk! que estou organizando com o Luís Filipe Silva para a Draco. Estimulado por uma pergunta da Ana Cris sobre a existência de duas antologias dentro do mesmo subgênero em menos de um ano, explanei en passant sobre as diferenças de critérios e estratégias editoriais que me levaram a abrir mão da coordenação da antologia Steampunk da Tarja em prol da montagem de uma segunda antologia, com trabalhos maiores, escritos por autores de ambas as margens do Atlântico com os quais eu já atuara anteriormente, com bons resultados. Falei da ênfase no enfoque temático lusófono que, inclusive, motivou o título da obra.

Ante a citação por Lancaster da Lei de Sturgeon, segundo a qual, “90% de toda a ficção científica é lixo, mas 90% de qualquer forma de expressão artística também é lixo.”, brinquei a sério, afirmando que 90% de qualquer coisa era lixo, inclusive, nós próprios e tudo aquilo que pensamos.

Pincelamos um monte de assuntos distintos. Falamos sobre evolução humana e nosso passado de macacos carnívoros assassinos; sobre a recepção hostil que autores da terceira onda da FCB sofreram da parte de alguns dinossauros da geração anterior; sobre avanços tecnológicos precoces; a influência dos romances de Charles Dickens sobre os autores norte-americanos de steampunk; sobre a oposição entre prazeres físicos de um lado e prazeres intelectuais do outro, subdividindo esses últimos em prazeres intelectuais mais fáceis e mais difíceis.
Plateia participativa 1

Variável ao longo do evento entre vinte e trinta pessoas, a plateia participou ativamente com perguntas e comentários. Alguns jovens sentados nas duas primeiras filas de cadeiras tomavam notas e, em pelo menos um caso, esboçavam desenhos ou caricaturas. Dessa meia dúzia de três ou quatro, só um ou dois se dispôs a fazer perguntas ou comentários em voz alta.

Embora steampunk não seja exatamente a sua praia, Fausto Fawcett encantou a plateia com sua verve e argúcia habituais. O sujeito tem uma presença de palco admirável. Até seus comentários mais gerais foram pertinentes em atingir o âmago das questões.

Fausto Fawcett

No quesito humor, creio que nosso bate-papo não decepcionou o público presente. Além das tiradas inteligentes do Fausto, como a citação que abre esta crônica, eu e Lancaster também demos nossos pitacos. Após ouvir Lancaster falar mal do Will Smith umas três ou quatro vezes nos mais diversos contextos, quase no fim do evento não resisti e lhe perguntei se nutria alguma mágoa ou questão pessoal com o ator. Com um sorriso envergonhado, Lancaster negou peremptoriamente.

Carlos Patati nos lançou a pergunta da noite ao questionar se julgávamos haver diferença de qualidade entre trabalhos de história alternativa propriamente dita e a ficção alternativa do tipo escrito por Kim Newman em Anno Dracula e Octavio Aragão em A Mão que Cria. Como fã número 1 da obra-prima de Newman, respondi que, não obstante as afirmações dos patrulheiros ideológicos de plantão na história alternativa anglo-saxã, eu não via diferença de qualidade alguma. História alternativa é uma coisa e ficção alternativa é outra. Porém, se bem escritas, ambas constituem diversão garantida.
Plateia participativa 2

Ao término da parte formal de nosso bate-papo informal, Toinho Castro agradeceu a participação dos convidados e do público presente nesta e nas duas outras Spaceblooks e prometeu que a livraria proporcionará outros ciclos de eventos desse tipo.

Em meio à confraternização entre convidados, organizadores e público, foram servidas rodadas de vinho, água e refrigerantes, enquanto colocávamos em dia as últimas fofocas do fandom. Infelizmente, a maioria picante demais para que possamos transcrever aqui. Ou, quem sabe, felizmente. Pois só assim evito processos de calúnia e difamação.

Octavio aproveitou o ensejo para adquirir seu exemplar do Xochiquetzal ali na Blooks e me intimou a autografá-lo, obrigação que cumpri com prazer.

Infelizmente, desta vez não pude acompanhar meus amigos fiéis nas bebemorações de praxe que normalmente se sucedem aos nossos eventos de caráter cultural. Defecção inesperada pela qual fui severamente criticado por meus pares. Nem é preciso dizer que pretendo me redimir na próxima.

That’s all, guys! Mas da próxima vez tem mais...

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 21 de maio de 2010 (sexta-feira).

Participantes:
Alexandre Lancaster
Ana Cristina Rodrigues
Carlos Eugênio Patati
Cláudia Quevedo Lodi
Eduardo Torres
Fausto Fawcett
Gerson Lodi-Ribeiro
Luiz Filipe Vasquez
Marcelo Carvalho Couto
Max Mallmann
Octavio Aragão
Rafael Lupo Monteiro
Ricardo França
Toinho Castro

domingo, 16 de maio de 2010

Bate-papo Spaceblooks 2: Fantástico na Internet



2010.05150736P6 — 18.208 D.V.

“Ana, será que você deixaria eu concluir meu pensamento.”
[Fábio Fernandes]



Deu-se na noite da última quinta-feira, 13/05, na livraria Blooks a Spaceblooks II, uma mesa-redonda informal, ou bate-papo temático, sobre literatura fantástica em mídia virtual, com a participação dos escritores Fábio Fernandes, Ana Cristina Rodrigues e Saint-Clair Stockler. A iniciativa Spaceblooks consiste num ciclo de três mesas-redondas semanais, sempre às quintas-feiras, idealizadas por Octavio Aragão e Toínho Castro, os dois curadores responsáveis pela organização do evento.


Toínho Castro e Octavio Aragão — Curadores da Spaceblooks

 
Infelizmente, não pude estar presente na Spaceblooks I, onde Bráulio Tavares e outros participantes egrégios dividiram a mesa-redonda para debater e papear — brilhantemente, segundo ouvi falar — sobre science fiction at large.

Para compensar, saindo direto do trabalho, acabei chegando meia hora adiantado para a Spaceblooks II. A livraria Blooks situa-se na galeria do Unibanco Artplex, estabelecimento onde se deu alguns meses atrás o lançamento das célebres tirinhas Os Passarinhos, de Estevão Ribeiro.

Mal cheguei e encontrei os três futuros bate-papeadores: meu amigo Fábio Fernandes, que veio de Sampa especialmente para o evento; minha querida afilhada Ana Cris; e Saint-Clair Stockler. Também presentes antes do início do bate-papo estavam os assíduos Ricardo França e Rafael Lupo, que, segundo soube, já haviam comparecido na Spaceblooks anterior, e também o Bráulio Tavares e o Marcelo Carvalho Couto, um sócio antigo do CLFC-Rio que eu já não via há uns bons quinze anos, desde os tempos do saudoso Grupo de Interesse em Vídeo capitaneado por Sylvio Gonçalves em plena antediluviana década de 1980 no Rio de Janeiro do segundo milênio, onde assistíamos clássicos em preto e branco e séries norte-americanas inéditas em fitas VHS (sugiro aos mais novos uma “googlada” para descobrirem do que se trata). Aliás, ainda lembro das pizzas deliciosas que a mãe do Marcelo nos servia no intervalo entre a exibição de um vídeo e outro. Bons tempos...

Cumpridos os quinze minutos de tolerância regulamentar, a mesa-redonda se iniciou com pontualidade carioca às 19:15h, com nosso mestre de cerimônias Octavio — com seu new look careca — apresentando os três convidados.


O Curador, Saint-Clair Stockler, Fábio Fernandes e Ana Cristina Rodrigues


Ana Cris abriu o bate-papo falando de suas múltiplas atividades nas diversas comunidades virtuais, dentre elas a comu Ficção Científica do Orkut, a oficina literária virtual Fábrica dos Sonhos e seus projetos editoriais que estão migrando da virtualidade para o bom e velho papel impresso, dentre as quais a antologia temática Gastronomia Phantastica.

Ana passou o microfone ao Fábio que, a bem da eficiência, apenas citou que seu currículo constava de seus blogs e de diversos links em outros sítios internéticos, passando então a nos apresentar com a verve que lhe é peculiar um breve histórico do desenvolvimento da literatura fantástica brasileira no âmbito virtual — narrativa ágil que, vez por outra, se entremeou com o fantástico lusófono impresso. Fábio também nos falou um pouco dos contatos recentes que estabeleceu com autores e editores anglo-saxões do gênero e das publicações resultantes desses contatos.

Em seguida, Saint-Clair Stockler falou sobre suas atividades literárias nos âmbitos impresso e virtual, abordando, inclusive, seu processo criativo e sua parceria com o autor paulistano Tibor Moricz, que resultou, dentre outros frutos, nas antologias Imaginários I & II (Draco, 2009) e na Brinquedos Mortais, ainda em fase de elaboração.

Ao longo do bate-papo inicial do trio de autores, chegaram Carlos Eugênio Patati, Cláudia Quevedo Lodi e Max Mallmann, autor do romance histórico recentemente publicado O Centésimo em Roma (Rocco, 2010), indubitavelmente, um dos maiores tours-de-force literários dos últimos tempos.

Encerrado o bate-papo inicial, passamos à interação direta entre escritores e plateia. Muitos dos cerca de trinta presentes participaram ativamente com perguntas, comentários e opiniões que incrementaram o ambiente interativo e informal que a dupla de curadores almejara. Tão informal que Ana não se furtou de interromper a fala de Fábio em seguidas ocasiões. Das primeiras três ou quatro vezes, nosso amigo limitou-se a lançar um olhar enviesado à interlocutora. A partir da vez seguinte, estrilou e, a partir de então, começaram a se estranhar, a ponto de me fazerem lembrar as discussões entre meus pais nos almoços de domingo: assim como Ana e Fábio, meus pais se amam, mas há décadas insistem em que um nunca deixa o outro falar...

Ao longo dessa animada fase de perguntas, respostas & comentários, foram abordadas várias questões interessantes, desde a relevância do romance Os Dias da Peste de Fábio Fernandes no panorama do fantástico lusófono, até as novidades anglo-saxãs nos subgêneros da new space opera e do new weird, passando pela presença brasileira em congressos internacionais de ficção científica e pela sobrevivência e extinção dos dinossauros da FC brasileira.



Plateia participativa do Spaceblooks II

 
Por volta das 21:00h, com o encerramento da parte formal do bate-papo informal, autores e plateia levantaram-se de suas respectivas cadeiras para prosseguir com a interação de pé, enquanto um garçom simpático servia vinho, água e refrigerantes. Aproveitei o ensejo para retomar o papo com o Marcelo Couto, que me contou novidades sobre diversas séries televisivas de FC e correlatas. Enquanto isto, sentado numa mesa à entrada da livraria, Fábio autografava exemplares de Os Dias da Peste para fãs recém-conquistados ao longo da mesa-redonda.

Quando a Blooks e a própria galeria do Artplex já ameaçavam cerrar as portas, partimos em expedição a pé para bebemorar o êxito do evento no Espaço Gourmet, point tradicional da FC&F carioca. Já à saída da Blooks, para gáudio de meu ego autoral, Toínho Castro me confidenciou que teria sido a leitura da coletânea de história alternativa Outros Brasis (Mercuryo, 2006) que o inspirara, em última análise, à criação da iniciativa Spaceblooks.

A maioria dos presentes migrou da livraria para a bebemoração. No entanto, sofremos algumas defecções graves, como as de Patati, do Marcelo, do Ricardo França, que abandonou nossa comitiva no meio do caminhada, guinando rumo à estação Botafogo do Metrô, e do próprio curador Octavio Aragão, que fez forfait, alegando compromissos domésticos inadiáveis relacionados à última mamadeira noturna do filho caçula.

Durante nossa caminhada de cerca de quinze minutos da Blooks até o Espaço Gourmet, sentimo-nos um pouco preocupados, pois nosso amigo Fábio ficara duzentos ou trezentos metros para trás. Tranquilizamo-nos ao perceber que seguia devidamente escoltado por jovens fãs e, de fato, ele acabou chegando em segurança no aconchego de nosso plácido covil.

Uma vez em nosso reduto, sentamo-nos numa mesa que facultava a opção aos rodízios de pizzas e crepes. Postei-me num ponto privilegiado da mesa, com Bráulio, Ana Cris e Toínho à minha frente, Fábio à minha esquerda e Cláudia à minha direita. Eu & Cláudia optamos pela comida a quilo em detrimento dos rodízios, mas não abrimos mão de um bom tinto brasileiro, um Cabernet Sauvignon que, não obstante a longeva safra de 2001, ainda estava nos trinques.



Bráulio Tavares & Ana Cris no Espaço Gourmet


 
Conversamos sobre dezenas de livros, filmes e séries televisivas dentro e, sobretudo, fora do gênero fantástico. Bráulio nos entreteve com a descrição vívida dos roteiros que escreveu para uma série de programas de entrevistas elaborados por uma produtora sediada em Recife.

Já na fase de despedidas, em meio aos elogios extremados que prestei ao romance O Centésimo em Roma, lembrei ao Max que os antigos romanos eram particularmente avessos à prática do sexo oral, tanto do fellatio quanto do cunnilingus, não obstante as nomenclaturas latinas dessas práticas. Afinal, apesar da relativa ousadia e liberalidade dos afrescos eróticos descobertos em Pompeia e Herculano, o fato é que os romanos aceitavam até mesmo a zoofilia com menos ojeriza do que o sexo oral.


Fábio no Espaço Gourmet


 
Bem, acho que por ora é só, mas semana que vem tem mais: na próxima quinta-feira, dia 20 de maio, na Spaceblooks III, Fausto Fawcett, Alexandre Lancaster e eu dividiremos a mesa-redonda para falar de steampunk, onde abordaremos o caso das duas antologias que eram para ser uma e outras questões picantes do subgênero.



Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 15 de maio de 2010 (sábado).



Participantes:
Ana Cristina Rodrigues
Bráulio Tavares
Carlos Eugênio Patati
Cláudia Quevedo Lodi
Estevão Ribeiro
Fábio Fernandes
Gerson Lodi-Ribeiro
Marcelo Carvalho Couto
Max Mallmann
Octavio Aragão
Rafael Lupo Monteiro
Ricardo França
Saint-Clair Stockler
Toinho Castro