quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Fantasticon 2012 (Primeira Semana)


FANTASTICON 2012
(primeira semana)

 

“Na literatura fantástica brasileira, às vezes parece que há mais autores do que leitores.” [Marcia Olivieri]

          DIA 1
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Começou hoje a maratona de dois fins de semana seguidos que constituirá a épica Fantasticon 2012, VI Simpósio de Literatura Fantástica, realizado na Biblioteca Viriato Correa, Vila Mariana, São Paulo, capital.  Este formato de dois fins de semana em vez de um é novidade.  Torço para que funcione a contento.  Imagino que seja melhor para o público paulistano.  Quanto ao pessoal que vem de fora, com poucas exceções, deverá se concentrar num ou noutro fim de semana.

*     *      *
 
Cartaz do Simpósio.
 

Deixei a Cidade Maravilhosa pela rodoviária Novo Rio no ônibus da Expresso do Sul que partiu às 06:30h e, mesmo com a tradicional meia hora de parada, conseguiu chegar ao Terminal Rodoviário do Tietê ao meio-dia cravado, desempenho mais do que satisfatório que me fez reavaliar minha opção padrão de sempre optar pela Viação 1001, cujas viagens vêm durando, em média, uma hora a mais do que a de hoje.

Durante essa viagem de ida, revisei o original de um romance ambientado no universo ficcional de Ahapooka.  Encerrada a revisão do original, retornei à leitura da Space-Opera II (Draco 2012) que, como a antologia anterior, foi organizada por Hugo Vera e Larissa Caruso.  Até agora os textos de que mais gostei foram “Obliterati” do Fábio Fernandes e “Inferno de Dantè” do Marcelo Galvão, cuja leitura concluí à chegada no Terminal Tietê.

Segui de táxi da rodoviária até o Mercure Paraíso, para fazer check-in e deixar a mochila.  Não foi uma decisão das mais inteligentes, pois acabei vítima de mais um dos engarrafamentos de sábado em Sampa e levei mais de quarenta minutos, do terminal ao hotel.  Enfim no quarto 14, cumpridos os rituais dos bedroom acceptance tests, tomei o metrô na estação Paraíso, bem próxima ao hotel e saltei na estação de Vila Mariana, a cinco minutos a pé da biblioteca municipal.

Cheguei à Viriato Correa por volta das 13:20h.  Infelizmente, não a tempo de dar uma conferida na oficina “Como Fugir de Arquétipos de Bom & Mau em sua História”, ministrada por Gianpaolo Celli, com o qual tive oportunidade de papear mais tarde, no intervalo entre uma mesa-redonda e outra.

O stand de vendas de livros — agora sob controle da Devir e não mais da Moonshadows — estava praticamente vazio, a não ser pela presença de Marcello Simão Branco e Roberto de Sousa Causo, velhos amigos de outras convenções, várias das quais anteriores ao advento das Fantasticons.  Aproveitei o ensejo e adquiri os romances O Alienado (Draco, 2012), de Cirilo S. Lemos, Mortal Engines (Novo Século, 2011) de Philip Reeve, e a antologia Imaginários 5 (Draco, 2012), organizada por Erick Sama.  Constatei que a antologia Erótica Fantástica 1 (Draco, 2012) já se encontrava à venda na banca de lançamentos.  Nas prateleiras, outros frutos da minha lavra, A Guardiã da Memória, finalista do Argos 2012 na categoria melhor romance; a história alternativa Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas; a coletânea Taikodom: Crônicas e outras duas antologias que organizei para a Draco no âmbito do projeto da triantologia punk, Vaporpunk (2010) e Dieselpunk (2011).

Erótica Fantástica 1.

 
Missão aquisitiva concluída com êxito (bem ao contrário do malogro da Fantasticon 2011...), entrei no auditório a tempo de assistir o fim do bate-papo “Editoras sem Papas na Língua”, com Gabriela Nascimento (Gutenberg), Fabiana Andrade (Underworld) e Júlia Schwarcz (Companhia das Letras).  Pelo pouco que vi, tratou-se de mais do mesmo em relação aos bate-papos e mesas-redondas dos anos anteriores entre editores engajados com literatura fantástica nacional e/ou publicação de títulos estrangeiros do gênero no país.

Saindo do auditório, conversei com Gumercindo Rocha Dorea, editor da famosa coleção de ficção científica GRD e lenda-viva do fantástico nacional.  Também revi outro velha-guarda do Clube de Leitores de Ficção Científica, Sergio Lins da Costa, recém-recuperado de uma cirurgia bem-sucedida.
 
Gumercindo Rocha Dorea e Marcello Simão Branco.

No intervalo, conheci Gustavo Vícola, autor do conto “Roda-Viva”, que eu e Luiz Felipe Vasques selecionamos para integrar a antologia Super-Heróis, a ser lançada em breve pela Draco.

Às 14:30h começou o bate-papo “Alta Literatura vs. Literatura de Entretenimento”, com a participação do crítico Manuel da Costa Pinto e dos autores Luiz Brás e Andréa del Fogo.  Para quem não sabe, Luiz Brás é o pseudônimo adotado por Nelson de Oliveira para escrever literatura fantástica.  A troca de ideias entre os três transmitiu à plateia a conclusão, um tanto óbvia, de que existem bons e maus textos na literatura dita séria; e bons e maus textos na literatura de entretenimento.  Outra conclusão óbvia, mas menos óbvia que a anterior, foi a de que o leitor perspicaz pode extrair prazer de textos literários que não foram escritos com o propósito precípuo de entreter.

No intervalo seguinte, travei contato com Kyanja Lee, revisora de textos de literatura fantástica cujo trabalho tenho mais ou menos acompanhado via Facebook.

Às 16:00h começou a mesa-redonda “Multimeios: Mídias Alternativas para a Literatura Fantástica”, com Ednei Procópio, Douglas MCT, Marcos Inoue e um quarto participante, cujo nome não ficou registrado.  Não consegui perceber a diferença entre bate-papo e mesa-redonda.  No início, pensei que ao contrário do bate-papo, mais informal, a mesa-redonda teria um moderador ou mediador.  De fato, Procópio em alguns pontos pareceu atuar como moderador.  Contudo, na mesa-redonda seguinte, não tive certeza de quem era a moderadora ou de se havia uma moderadora...

No intervalo que se seguiu à mesa-redonda das mídias alternativas, conheci João Batista Melo, autor da coletânea As Baleias de Saguenay (Rocco, 1995) que já havia lido há muito, muito tempo.  Aproveitei o ensejo para lhe autografar meus contos na antologia Outras Copas, Outros Mundos (Ano-Luz, 1998), “Pátrias de Chuteiras” e “Se Cortez Houvesse Vencido a Peleja de Cozumel”, enquanto César R.T. Silva me explicava as nuances da decisão de Nelson de Oliveira, que agora só publicará ficção sob a pena de Luiz Brás.  Nesta mesma ocasião, reencontrei Christopher Kastensmidt, recém-chegado da Chicon 2012, convenção mundial de ficção científica e gêneros correlatos em Chicago.  Também conversei com Eric Novello sobre a qualidade do ensaio fotográfico erótico de fino trato que o xará dele, Erick Sama, encartou no fim da Erótica Fantástica 1.

Cesar R.T. Silva, GL-R, Marcello e João Batista Melo.
 

Também aproveitei esse intervalo para apreciar os belos painéis do projeto que Estevão Ribeiro está desenvolvendo junto à Ediouro de uma graphic novel fundindo as visões vitorianas de viagens à Lua de Jules Verne e H.G. Wells, com pinceladas de Georges Miéliès.

Exposição "Da Terra à Lua", de Estevão Ribeiro.

 
A última atividade oficial da tarde foi a mesa-redonda “O Imaginário Medieval: Origem e Continuidade dos Seres Fantásticos”, com a editora Karin Thrall e as autoras e editoras Ana Cristina Rodrigues e Simone Marques.  Naquela que considerei a melhor atividade formal da tarde, as três discorreram sobre os bestiários da Antiguidade Clássica e Celta, bem como da Idade Média, com forte ênfase nos dragões.  Também foi a mesa ou papo em que as participantes melhor interagiram com a plateia.


Simone Marques, Karin Thrall e Ana Cristina Rodrigues:
"O Imaginário Medieval: Origem e Continuidade dos Seres Fantásticos".
 

Nesta Fantasticon, no início de cada bate-papo ou mesa-redonda, uma jovem vestida em trajes steampunks subiu ao palco para ler uma poesia de André Carneiro, como parte das comemorações pelo nonagésimo aniversário do decano da ficção científica brasileira.  Pouco mais tarde, conversando com o pesquisador Carlos Alberto Machado, soube que o André ainda está saudável e inteiramente lúcido e que, em princípio, poderia topar participar de atividades em convenções em Sampa ou no Rio.

Sílvio Alexandre: Leitura dos poemas de André Carneiro.

 
Após o fim dos trabalhos, enquanto aguardava que o casal Erick Sama & Janaína Chervezan me buscassem para jantar, conversei um pouco com Anderson Santos, Estevão Ribeiro, Ana Cristina Rodrigues, Marcello Simão Branco e César R.T. Silva.

Uma boa novidade é que Ana Cris retomará o papel de responsável pelo selo fantástico Llyr da editora Vermelho Marinho, reassumindo a coordenação da área de literatura fantástica da editora.

Erick e Janaína me buscaram à porta da biblioteca e, após breve bate-papo com os amigos ali remanescentes e um não tão breve engarrafamento, felizmente regado a bom papo a bordo do carro do casal, chegamos ao restaurante onde me haviam prometido uma pizza espetacular.  De fato, a pizza de javali deliciosa superou minhas expectativas otimistas!  O Agnus Merlot da Lídio Carraro que acompanhou a pizza constituiu uma bela surpresa.  Com companhias e papos tão agradáveis, pizzas e vinhos que harmonizaram com perfeição, quando olhei para o relógio já era quase uma hora da manhã.  As conversas giraram em torno de gravidez e filhos, uma vez que Janaína está no último mês da gestação de Eduardo; educação e colégios; mercado editorial e, como não podia deixar de ser, ficção científica e fantástico.  Conversamos um bocado sobre e-books e, sob insistência do casal e os efeitos do álcool, acabei revelando alguns spoilers sobre os romances da saga Canção e Gelo e Fogo, do George R.R. Martin, com direito a insights sobre o mistério da verdadeira ascendência de Jon Snow.  Uma noite memorável.


Jantar com Erick Sama & Janaína Chervezan.
 

Mercure Paraíso, São Paulo, 15 de setembro de 2012 (sábado).

 

           DIA 2
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Hoje de manhã, após a quentinha de pizza de ontem à noite por desjejum, enquanto escrevia esta crônica, consegui conversar com a Cláudia via Skype.  Em seguida, fechei a mochila e fiz check-out no Mercure.

GL-R, Mushi, Marcelo Amaral, Ana Cris e Sid Castro.
Almoço: pastel, pastel, pastel...
 

Fui de metrô até Vila Mariana e da estação a pé até a Biblioteca Viriato Correa.  Lá chegando, encontrei Ana Cristina Rodrigues e Sid Castro no estande de vendas da Devir.  Convidei-os para almoçar o tradicionalíssimo pastel da Fantasticon.  Após resolver algumas pendengas envolvendo o atraso do recebimento dos exemplares do romance infanto-juvenil que Marcelo Amaral lançou pela Llyr, Ana Cris conseguiu sair para almoçar o pastel conosco.  Além de eu, Ana e do autor-órfão de livros, acompanharam-nos Marcelo Pereira, o popular Mushi, e Sid Castro.  O estabelecimento afirma que os pastéis da casa vêm com trinta centímetros de comprimento.  Conferimos mais uma vez que não se trata de propaganda enganosa.  Nove em cada dez participantes de Fantasticons anteriores admitem que as convenções de literatura fantástica abrigadas na Viriato Correa não seriam as mesmas sem o fabuloso pastel desse estabelecimento próximo à biblioteca municipal.  Depois de quase uma hora de bate-papo e fofocas do fandom, degustando um pastel de calabresa com catupiry regado por duas latas de coca zero, eis que chegam os amigos gaúchos, Duda Falcão, Cesar Alcázar e André Cordenonsi.  Como editora desalmada que é, Ana sussurrou ao meu ouvido:

— Quer ver como se faz um autor gelar?

E, em seguida, comentou casualmente com Duda Falcão:

— Comecei a ler seu livro e parei na página cem... — Malvada, deixou o comentário pelo meio.

Após alguns segundos de tensão, um Duda nervoso retrucou:

— Sim, tchê, mas, e daí?

Ana Cris permaneceu calada, apenas encarando Duda até que o rapaz começasse a suar frio.  Piedoso que sou, encerrei a sessão de tortura:

— Tudo bem, Ana.  Você ganhou a aposta.

*     *     *

 

Da pastelaria regressamos à biblioteca.  Antes de começar a cerimônia de entrega de certificados do Concurso Hydra, num golpe de sorte, logrei descolar a chave para um armário no guarda-volumes, desovando então minha mochila pesada.

O criador do prêmio, Christopher Kastensmidt, e um dos juízes, Tiago Castro (a outra juíza, Ana Carolina Silveira, não pôde comparecer) detalharam a gênese e a mecânica da premiação.  Explicaram que coube aos próprios autores inscrever seus trabalhos de até 10.000 palavras publicados, profissionalmente ou não, nos dois anos anteriores.  O triunvirato (Chris, Ana e Tiago) escolhe os melhores trabalhos e os direcionam ao autor norte-americano Orson Scott Card que estabelece a seleção final e, se for o caso, recomenda a publicação na revista que leva seu nome.  Nesta primeira edição os vencedores foram:

1º lugar — “História com Desenho e Diálogo”, de Brontops Baruq (Portal Fundação, Projeto Portal);

2º lugar — “Por um Fio”, de Flávio Medeiros, Jr. (Steampunk, Tarja Editorial); e

3º lugar — “Eu, a Sogra”, de Giulia Moon (Imaginários 1, Draco).

Tanto o primeiro colocado quanto o segundo tiveram sua publicação aprovada na revista Orson Scott Card’s Intergalactic Medicine Show (www.intergalacticmedicineshow.com).

Concurso Hydra: Tiago Castro (juiz); Ana Cristina Rodrigues (por Flávio Medeiros Jr.);
Giulia Moon; Brontops Baruq; Christopher KAstensmidt (juiz).
 

Ao longo do bate-bola informal entre os dois juízes presentes, Christopher se confessou surpreso pelo fato de que vários autores brasileiros importantes publicados em 2009 e 2010 não terem submetido trabalhos ao Hydra.  Não sei se me qualifico nessa categoria, mas, no que me concerne, informo que não submeti meus contos porque o certame é patrocinado por Scott Card.  Reparem, não tenho nada contra o autor, sujeito afável e simpático que tive o prazer de conhecer em 1990, por ocasião de sua vinda ao Brasil como convidado de honra da InteriorCon I.  A questão é a pletora de ideias que ele defende e eu combato, desde o proselitismo religioso até a discriminação contra os direitos de minorias, sexuais e outras, para não falar no conservadorismo político extremo.  Seria hipocrisia de minha parte defender determinados ideais e, ao mesmo tempo, movido por interesses, digamos, ahn, literários, transigir a ponto de me alinhar com alguém que comunga de ideais tão contrários.  Não pretendo tecer juízo de valor sobre a conduta moral alheia, pois, cada um sabe onde seus calos apertam e, de mais a mais, é bem possível que essas questões de me incomodam não sejam em absoluto relevantes para os autores que submeteram seus trabalhos ou, quiçá, eles ignoram o perfil político do patrocinador, vá lá saber.  De todo modo, é possível que outros autores tenham pensado mais ou menos por essas mesmas linhas, daí, a relativa ausência de algumas submissões mais ou menos esperadas pelos organizadores.  Claro que isto não passa de uma teoria fosfórica da minha parte...

De volta à cerimônia, Tiago e Chris exibiram o certificado e em seguida convocaram Giulia Moon ao palco para receber o Hydra por seu divertido e inspiradíssimo “Eu, a Sogra”.  Como Flávio Medeiros não pôde comparecer, Ana Cristina Rodrigues recebeu o certificado em seu nome, pela noveleta de ficção alternativa “Por um Fio”, onde o autor antepõe o gênio de Jules Verne ao de H.G. Wells de uma forma inusitada e original.  Enfim, o vencedor tímido, Brontops Baruq, foi chamado para receber seu certificado pelo conto “História com Desenho e Diálogo”, originalmente publicada no Portal Fundação.

Considero o Concurso Hydra uma iniciativa valorosa para divulgar a literatura fantástica brasileira no exterior.  Daí, apesar das ressalvas expressas acima, torço para que o projeto frutifique em edições futuras, propiciando a disponibilização de mais e mais histórias brasileiras de ficção científica, horror e fantasia para o público internacional.

No intervalo que se seguiu à cerimônia de entrega de certificados do Hydra, conversei com Marcelo Galvão e agradeci a homenagem bem-humorada de batizar um planeta com meu nome na noveleta “Inferno de Dantè”.  Um mundo reputado em toda a esfera de influência humana por seus vinhos tintos notáveis...

Também conversei brevemente com Antonio Luiz M.C. da Costa, trajado de bermudas, e com Marcia Olivieri, algo nervosa por estar prestes a entrar no auditório para participar da mesa-redonda “Caminhos do Fantástico na Literatura Brasileira”.  Marcia estreou como romancista com o lançamento de seu juvenil, O Portal de Capricórnio.

A mesa-redonda supracitada foi moderada por Cláudio Brites.  Além de Marcia, participaram os autores André de Leones e Dynion Golau, ambos com experiência predominantemente mainstream (inclusive, com premiações) e incursões esporádicas na literatura fantástica.  Não sei se o efeito esteve o tempo todo nos planos de nosso mestre-organizador Sílvio Alexandre, ou se tudo não passou de uma coincidência feliz, mas o fato é que esta mesa-redonda constituiu um contraponto interessantíssimo ao bate-papo de ontem à tarde, “Alta Literatura vs. Literatura de Entretenimento”.  Pessoalmente, apreciei mais a mesa de hoje.  Os participantes me passaram a impressão de estarem mais soltos e mais interessados em transmitir suas experiências e motivações à plateia.  Sei lá.  De repente, foi só impressão...J

André de Leones, Marcia Olivieri, Dynion Golau e Cláudio Brites:
"Caminhos do Fantástico na Literatura Brasileira".
 

No intervalo seguinte, Camila Fernandes, autora do conto “A Melhor Trepada da Cidade”, que abre a antologia Erótica Fantástica 1, à semelhança do que já havia ocorrido com outros autores com quem encontrei nesta primeira semana da Fantasticon 2012 — Ana Cristina Rodrigues (“A Ilha dos Amores”); Felipe Castilho (o bem-humorado “Conto Pseudo-Erótico de Fantasia com Fantasias”) e Sid Castro (que fecha o livro com sua noveleta “Fêmea Humana”) — cobrou-me seu exemplar do dito livro.  Mais uma vez, humildemente, expliquei que não passo de um antologista inocente e que eventuais reclamações, cartas-bomba e ovos podres devem ser encaminhados ao nosso publisher, Erick Sama.

Não obstante seu título bombástico (literalmente), a última mesa-redonda desta primeira semana, “Mulheres & Fantasia: uma Combinação Explosiva” foi de longe a mais interessante e divertida de todas.  Rolou uma química muito positiva entre as quatro participantes, a fotógrafa Nathalie Gingold e as escritoras Camila Fernandes, Cristina Lasaitis e Carol Chiovatto.  O quarteto parecia jogar por música, numa sinergia de dar gosto, de repente, advinda do fato de serem amigas e mais ou menos compartilharem das mesmas opiniões sobre as falhas na abordagem de personagens femininas na narrativa fantástica.  A mesa centrou suas baterias energéticas contra a clicherização das personagens femininas na literatura e no cinema (mas não só).  Camila reclamou que as personagens femininas aparecem geralmente mais sexualizadas do que os masculinos.  Falou-se um bocado de personagens que eram sem graça ou até feias nos textos fantásticos, como a Hermione do universo ficcional Harry Potter, que se tornaram beldades quando transpostas para as telas.  Quando Cristina comentou que o termo adotado para robôs humanoides é “androide”, independentemente do gênero da inteligência artificial em questão, lembrei-me das ginoides da noveleta “A Mulher Imperfeita”, do Daniel Dutra, publicada na Erótica Fantástica 1.

Cristina Lasaitis, Nathalie Gingold, Camila Fernandes e Carol Chiovatto:
"Mulheres & Fantasia: uma Combinação Explosiva.
 
Quando a mesa pediu exemplos de robôs ou androides com caracteres sexuais masculinos que, sem constituírem meros objetos de prazer, estabelecem vínculos sexoafetivos com parceiras orgânicas, mencionei o mentor artificial da viajante do tempo no romance Millennium, do John Varley, mais tarde transformado em filme.  Lembro que no romance rolava uma relação S&M em que o androide assumia o papel dominante.  No filme não houve nada disso, talvez para não impedir o acesso do público infantojuvenil.

Já na fase das perguntas da plateia, meu amigo Silvio Alexandre me jogou na fogueira ao lembrar que havia um autor presente que escrevera durante mais de uma década (mentira, foram só nove anos) sob pseudônimo feminino, conquistando vários prêmios literários e, pior, partindo vários corações.  Acuado, aceitei o microfone e narrei minhas motivações para criar Carla Cristina Pereira, minha personagem mais verossímil, tão convincente que logrou persuadir boa parte do fandom de sua existência física durante quase uma década.  Ao longo desse tempo, ela amealhou mais prêmios literários do que eu, dentre esses, o Simetria 2000 com “Longa Viagem para Casa”, a premiação no concurso patrocinado pelo site Na Toca do Hobbit com “Estigma da Morte Anunciada” e, sobretudo, a classificação como finalista do Sidewise Awards 2000 pela versão em inglês de “Xochiquetzal e a Esquadra da Vingança”.  Aos interessados em mais detalhes, escrevi uma crônica metaliterária breve sobre a lucubração dessa autora, “Os anos em que fui Carla”, que pode ser baixado no endereço:
http://www.4shared.com/office/lax02Gsf/Os_anos_em_que_fui_Carla.htm

Encerrada a mesa-redonda, enquanto esperávamos alguns amigos para jantar num pezinho-sujo simpático das redondezas, conversei com o André Cordenonsi e o Duda Falcão sobre comédias francesas com temática homoerótica, indo desde O Closet (2001) até o clássico Meu Marido de Batom (1986).  Curiosamente, as duas comédias foram estreladas por Gérard Depardieu.  Ou, não tão curiosamente assim, considerando que o Obelix protagonizou boa parte dos filmes franceses de sucesso nas últimas décadas.

Um papo que rolou na caminhada da Viriato Correa até o tal pezinho-sujo, foi o da perspectiva (agora concreta, visto haver patrocinador) da realização de uma Fantasticon Rio 2013, a se dar em janeiro próximo em algum lugar do espaço sideral na Barra da Tijuca.  Espero que aconteça na segunda quinzena de janeiro para que eu possa participar.  O Sílvio Alexandre carioca oficial será a Ana Cristina Rodrigues.  Convenção de literatura fantástica na Cidade Maravilhosa, em pleno verão, é tudo de bom!

Tivemos nosso já tradicional jantar de encerramento (lembrando que semana que vem tem mais!) naquele mesmo pé-sujo de sempre.  Imagino que os funcionários do estabelecimento devem estranhar um bocado o assédio anual desse bando de gente esquisita, que só fala de livros e filmes de que eles nunca ouviram falar, mas que eleva significativamente a receita do mês de setembro durante o único fim de semana do ano em que aparece por lá.

Como o forte da casa são os espetinhos de carne, pedi um de costela suína e o outro de linguiça calabresa, regadas a coca-zero e capivodka de morango (fraquinha), pois, com Ana Cris ainda combalida, fiquei sem parceiro para dividir um Santa Helena Cabernet Sauvignon ausente do cardápio, mas presente numa prateleira próxima.


Pezinho-Sujo simpático - Tomada 1.


O bate-papo do jantar rolou animado, como é hábito nas confraternizações pós-Fantasticon.  Comparou-se a vida nas cidades grandes em relação às médias e pequenas.  Falamos de preferências quanto à pelagem corporal feminina e masculina, assunto trazido à baila pelo trabalho de Nathalie com nus naturais (i.e., não retocados) e pelo ensaio fotográfico da Erótica Fantástica 1, que tanto Ana Cris quanto Cristina Lasaitis consideraram de bom gosto.  Encerramos a noitada com outra grande tradição do nosso meio, a revelação de algumas fofocas escabrosas do fandom carioca e paulistano, com ênfase especial aos membros ausentes.

Pezinho-Sujo simpático - Tomada 2.
 
 
Quitamos a conta baratinha, despedimo-nos dos amigos, saímos do pé-sujo a pé e caminhamos, eu, Ana, Max e Andrea Alves rumo à estação de metrô de Vila Mariana.  Eu e Ana embarcamos ali em direção à estação Tietê, enquanto Max acompanhou Andrea até o ponto de ônibus, pois só regressaria para o Rio amanhã.

Na rodoviária, Ana embarcou num ônibus-leito da Viação 1001 que partiu às 23:30h com destino a Niterói, ao passo que eu parti às 23:59h num leito da Expresso do Sul rumo ao Rio de Janeiro.

Semana que vem tem mais.

Terminal Rodoviário Tietê, São Paulo, 16 de setembro de 2012 (domingo).

 

Postscriptum:

Dotado de propulsão relativística, esse ônibus-leito da Expresso do Sul estabeleceu um novo recorde, pois chegou à Rodoviária Novo Rio às 05:00h, mesmo considerando a parada de meia hora no meio da madrugada.  Dormi bem a viagem inteira.  Bem mal.

Participantes:
Amanda Reznor
Ana Cristina Rodrigues
Anderson Santos
André de Leones
Andre Zanki Cordenonsi
Andrea Alves
Antonio Luiz M.C. Costa
Camila Fernandes
Carlos Alberto Machado
Carol Chiovatto
Cesar Alcázar
Cesar R.T. Silva
Christopher Kastensmidt
Cláudio Brites
Cristina Lasaitis
Douglas MCT
Duda Falcão
Dynion Golau
Ednei Procópio
Eric Novello
Erick Sama
Estevão Ribeiro
Felipe Castilho
Finisia Fideli
Gerson Lodi-Ribeiro
Giampaollo Celli
Giseli Ramos
Giulia Moon
Gumercindo Rocha Dorea
Janaina Chervezan
José Roberto Vieira (Zero)
João Batista Melo
Kyanja Lee
Luiz Brás
Marcello Simão Branco
Marcelo Amaral
Marcelo Rodrigo Pereira (Mushi)
Márcia Olivieri
Martha Argel
Max Mallmann
Nathalie Gingold
Roberta Nunes
Roberto de Sousa Causo
Sergio Lins da Costa
Sid Castro
Sílvio Alexandre
Simone O. Marques
Tiago Castro

5 comentários:

  1. Barzinho pé-sujo é tudo de bom, ainda mais quando podemos rever amogos queridos.
    Vou compartilhar sua Crônica, mesmo que eu só tenha acompanhado a mesa "Mulheres & Fantasia: uma Combinação Explosiva.", cujas participantes são mais do que minhas amigas.
    Olha minha pequena lá na foto!
    Um super beijo.

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  2. Saudades daquele pé-sujo, que já testemunhou cenas e ouviu papos antológicos, e também do pastel. Mas falta ainda o almoço na panquecaria. Estarei lá no fim-de-semana para corrigir isso.

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  3. Muito obrigado pelas belas palavra sobre o meu trabalho! Esse é o valor que busco na minha vida profissional!

    E claro, também aprendo demais ao ler textos tão bem trabalhados. Ou seja, é uma troca de ganha-ganha!

    Grande abraço e até mais!

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    1. Obrigado, Eduardo!
      Seu trabalho realmente é de alta qualidade.

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