segunda-feira, 14 de abril de 2014

Terceira Odisseia de Literatura Fantástica em Porto Alegre

3ª Odisseia Fantástica de Porto Alegre 2014
DIA 1
201404112250P6 — 19.635 D.V.

“Não há tarefa mais perigosa em Hollywood do que tentar transformar um livro popular ou aclamado pela crítica em série de TV ou filme.  O Hollywood Boulevard está forrado de crânios e ossos secos daqueles que tentaram e falharam...  e, para cada fracasso conhecido, há centenas dos quais nunca se ouviu falar, porque as adaptações foram abandonadas no meio do caminho, em geral depois de anos de desenvolvimento e dezenas de roteiros.”
[George R.R. Martin]

Chegamos hoje às 13h50 no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, para participar da Terceira Odisseia de Literatura Fantástica, evento anual criado em 2012 por Cesar Alcázar, Christopher Kastensmidt e Duda Falcão — trinca que, a partir do ano passado foi transformada em quinteto, com o apoio de Nikelen Witter e Christian David.  Como nos dois certames anteriores, o evento se desenrolará no Memorial do Rio Grande do Sul, um belo prédio histórico situado no centro de Porto Alegre.  Mais uma vez, viajamos tirando as passagens aéreas de graça pelo sistema de milhagem.  Neste ano com guarda-chuvas na bagagem, pois a previsão do tempo promete chuvas para hoje e amanhã.  Também levamos muitos exemplares dos livros que lancei pela editora Draco nos últimos anos, sobretudo meu romance fix-up Aventuras do Vampiro de Palmares e a antologia Super-Heróis, que organizei a quatro mãos com o Luiz Felipe Vasques.
*     *      *

Partimos do Rio no voo JJ3431 da TAM que decolou com pontualidade irrepreensível às 11h50 do Aeroporto Internacional Galeão Tom Jobim.  Durante a espera para o embarque e também durante a viagem de cem minutos de duração ataquei os últimos contos da antologia Brasil Fantástico (Draco, 2013), organizada por Clinton Davisson, o atual presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica.
Seguimos de táxi do aeroporto até o Lido Hotel.  Fizemos nosso check-in do quarto 307, situado na mesma coluna, exatamente abaixo daquele em que me hospedei na Segunda Odisseia, ano passado.  Tanto é que, sempre que tentava me conectar ao wi-fi do hotel, o netbook insistia em usar o login e senha do quarto 407.
Deixamos nossos pertences no quarto e rumamos para o Memorial do Rio Grande do Sul, parando numa lanchonete do caminho, na própria Rua Andrade Neves, para um almoço rápido: boa comida caseira a preços módicos.
Sob uma chuvinha fina, seguimos pela Andrade Neves até desembocar na praça onde se situa o Memorial.  Já no topo das escadarias desse prédio histórico, deparamo-nos com o cartaz da III Odisseia de Literatura Fantástica.
Ao contrário do que ocorreu em Odisseias passadas, desta vez a maior parte da ação não se deu no piso principal e sim no piso térreo, pavimento que, do ponto de vista do visitante que acabou de galgar as escadarias, parece subsolo.  Também o calor abafado “lá embaixo” era típico de subsolo.  Não à toa, lembrei a frase de um autor paulistano presente na 2ª Odisseia: “Onde anda essa porra dessa frente fria que não chega?”
Lá encontramos Ana Cristina Rodrigues, na mesa da Llyr Editorial, e Ana Lúcia Merege, minha parceira na mesa da Draco.  Desovei meus livros na mesa compartilhada e corri para comprar meu exemplar do romance histórico romano As Mil Mortes de César (Rocco, 2014) de Max Mallmann, a continuação aguardada do seu já clássico Centésimo em Roma.

Ana Cristina Rodrigues no estande da Llyr Editorial.

Autores & Obras: Ana Lúcia Merege e GL-R.

Estande da Editora Draco.



Encontrei brevemente a autora Flávia Cortes, que explicou que a palestra que iria proferir no Memorial para os alunos de uma turma acabou transferida para a própria escola, por conta da chuva forte que caía na capital gaúcha.
Também encontrei com três dos organizadores, Chris Kastensmidt, César Alcázar e Duda Falcão, e o paulista Felipe Castilho, autor do hilário “Conto Pseudo-Erótico de Fantasia com Fantasias”, publicado na antologia Erótica Fantástica 1, que organizei para a Draco em 2012.  Também reencontrei minha amiga querida de vários certames literários, Simone Saueressig.  Fantasista de mão cheia, Simone está lançando seu primeiro romance de ficção científica bona fide.
Chris me apresentou Vagner Abreu, responsável pelo podcast que fará uma gravação ao vivo na Odisseia sobre as interações entre literatura e quadrinhos.  Conversei bastante com o Vagner sobre influências literárias, história alternativa, HQ favoritas e assuntos correlatos.

Bate-papo com Vagner Abreu e Christopher Kastensmidt.

Passeando pelo “subsolo” do Memorial (que, por essa altura, com o calor reinante ali, já apelidávamos de “Mausoléu” ou calabouço), Cláudia se deparou com um estande que vendia camisas das casas nobres da saga Canção de Gelo e Fogo, do aclamado George R.R. Martin, além de livros e memorabilia diversas sobre esse universo ficcional.  Fomos até lá juntos e compramos quatro camisas: uma da Casa Targaryen para a Ursulla; uma da Casa Lannister para o Rodrigo; uma da Casa Stark para mim e outra, da Patrulha da Noite, também para mim.  Ficamos apaixonados por um livro lindíssimo sobre a série televisiva Game of Thrones com alguns insights literários sobre os personagens principais, extraídos dos romances da saga.
Travei conhecimento com o biólogo gaúcho Gílson Luís da Cunha, que participará de uma mesa-redonda no domingo com o Max Mallmann.  Conversamos um bom tempo sobre enredos de história alternativa que já lemos, escrevemos ou apenas imaginamos, bem como sobre filmes e livros de ficção científica em geral.  Debatemos sobre as diferentes participações de Solano López em linhas históricas alternativas distintas e diversas possibilidades de sobrevivência plausível — ou pelo menos sobrevida — do Império do Brasil, se os herdeiros masculinos de Dom Pedro II houvessem sobrevivido à primeira infância.  Outro tópico de interesse mútuo foram as civilizações tecnológicas neandertais: ambos lemos e adoramos a trilogia The Neanderthal Parallax, do Robert J. Sawyer.  Gílson me contou sobre um livro divertido com que tropeçou pela Amazon, Sexo, Drogas & Balalaika: as Aventuras de um Cosplay de Wladimir Lênin, um texto engraçadíssimo que decididamente preciso ler.

Dupla Caipira: Gílson (Luís da Cunha) & GL-R.


Do calabouço seguimos às 19h00 para o auditório do andar principal do Memorial, para assistir a palestra de abertura da Terceira Odisseia, “A Vida e a Obra de H.P. Lovecraft”, ministrada por ninguém menos do que Tabajara Ruas, autor dos romances históricos, Os Varões Assinalados (L&PM, 2003)[1] e Netto Perde Sua Alma (Record, 2001)[2].  O curioso é que, como tudo o que eu já li desse autor foram esses dois épicos gaúchos, mesmo sabendo-me numa convenção de literatura fantástica, inconscientemente, esperava ouvi-lo falar algo a respeito da Guerra dos Farrapos.  Em vez disso, Tabajaras Ruas nos brindou com uma palestra instigante sobre a biografia literária de Lovecraft e as motivações e problemas de saúde crônicos desse autor.  Já não leio Lovecraft há coisa de vinte e muitos anos.  Embora reconheça sua importância para o desenvolvimento do gênero do horror, seu horror cósmico e mitologia de monstros arcanos nunca fez muito minha cabeça.  Contudo, reservas à parte, a palestra foi benfeita e instrutiva, tanto que a primeira pergunta da plateia, apresentada por Gílson da Cunha, foi “o que você acha de disponibilizar o texto dessa palestra maravilhosa no site da Odisseia?”  Um fato curioso, ao menos em termos de autores mainstream: Tabajara Ruas demonstrou ter pleno domínio dos conceitos de “novela” e “noveleta”.

Tabajara Ruas: Palestra de abertura sobre H.P. Lovecraft.


Finda a palestra, deixamos o Memorial para o jantar comemorativo na galeteria Bela Itália.  Os amigos Jerri Dias, Bruno Schlatter e Ana Carolina Silveira nos conduziram até uma praça próxima, onde tomaríamos um táxi para o restaurante.  Sob uma chuva fina, aguardamos coisa de quinze minutos.  Precisávamos de quatro ou cinco táxis, pois éramos pelo menos quinze pessoas.  Eu, Cláudia e os amigos paulistanos Simone Marques e Marcelo Paschoalin embarcamos no primeiro desses táxis, mas, misteriosamente, enveredamos por um emaranhado labirinto espaçotemporal — fenômeno clichê na ficção científica moderna — e fomos os últimos a chegar à Bela Itália.  A tese dos amigos que chegaram lá antes de nós, segundo a qual teríamos sofrido o clássico golpe do taxista, foi descartada por Marcelo, ao comprovar que nossa corrida não foi mais cara do que as dos demais veículos.
Nosso grupo de amigos ocupou três grandes mesas do estabelecimento.  Além dos pessoal do nosso táxi, sentaram-se perto de nós Felipe Castilho, Lucas Rocha e Gílson da Cunha.  O Bela Itália oferece um buffet de saladas, queijos, frios e carnes, belissimamente acompanhado por um rodízio de massas caseiras da melhor qualidade.  No buffet, limitei-me aos frios e Cláudia às saladas, mas nos fartamos nas massas.  Tudo regado por garrafas e mais garrafas de água com gás e um Boscato Reserva Merlot no ponto perfeito.
Durante o jantar conversamos sobre HQ e enredos de história alternativa, dentre outras coisas.  Também comentamos amiúde o patriotismo peculiar dos gaúchos.  Aliás, neste sentido, Felipe me indagou se algum autor brasileiro já escrevera histórias alternativas inspiradas na Guerra dos Farrapos.  Falei que, ao que eu saiba, não.  Embora eu já tenha sugerido o tema ao Max Mallmann duas ou três vezes.  Gílson declarou que o enredo de minha noveleta “A Ética da Traição” é injusto com os gaúchos, por mantê-los sob o jugo paraguaio para sempre.  Afirmou que, no mundo real, cedo ou tarde, eles se sublevariam e expulsariam as tropas de Solano López de volta para o Gran Paraguay.
Sentada longe de nós, Simone Saueressig trouxe seu romance de ficção científica para que eu visse.  Cada capítulo de Padrão 20 — A Ameaça do Espaço-Tempo (BesouroBox, 2014) faz referência a um trabalho de outro autor.  Um desses capítulos chama-se “A Ética da Traição”; outro, “Museu de Velhas Novidades”.  Mais sobre este assunto em breve, assim que eu comprar o romance!
Por falar no Max, como bom filho-da-terra, ele chegou à galeteria direto da casa de sua mãe, mas sentou-se longe de nós e não tivemos tempo de conversar muito.  Outro amigo com quem só pude trocar umas poucas palavras e, mesmo assim, na hora de nos despedirmos, foi o Artur Vecchi.
Cansados, não tanto da viagem em si, mas dos percalços profissionais dos últimos dias, deixamos a companhia de nossos amigos relativamente cedo, por volta das 22h00.  O staff do Bela Itália providenciou um táxi para nós.  Também hospedada no Lido, Simone Marques regressou conosco.
Lido Hotel, Porto Alegre, 11 de abril de 2014 (sexta-feira).


DIA 2
201404122300P7 — 19.636 D.V.

Hoje de manhã acordamos às 06h00 e às 07h15 já estávamos tomando nosso desjejum no Lido.  Muita fruta, café preto, iogurte e muito suco de laranja para lavar a serpentina.
Após o café da manhã, tomamos um táxi até o campus da PUC-RS para visitar o Museu de Ciência e Tecnologia da universidade.  Um prédio moderno com quatro pisos compostos e um belo acervo em termos de divulgação científica, com equipamentos, estandes e montagens plenamente aptos a estimular a paixão pela ciência em jovens de sete a setenta e sete anos de idade.  Evolução, eletromagnetismo, acústica, paleontologia, zoologia, ecologia, astronomia, astrofísica, cosmologia, planetologia, medicina, mineralogia, botânica, todas as áreas da ciência estão representadas de forma didática, agradável e fácil de entender.  Não fica nada a dever aos melhores museus de ciência da Europa e dos E.U.A.  Chegamos no museu às 10h30 e fomos obrigados a deixá-lo às 13h00 com o coração pequeninho, por conta de nossos compromissos na Odisseia.

Museu de Ciência & Tecnologia da PUC-RS: Dois Dinos se Encontram...

Museu de Ciência & Tecnologia da PUC-RS: Maxwell e Cláudia.


Regressamos ao Lido de táxi e, após um rápido almoço numa lanchonete ao lado do hotel, subimos ao 307 para pegar os livros e seguimos até o Memorial para nosso segundo dia de Odisseia de Literatura Fantástica.
Hoje vendemos muito mais livros do que na véspera, inclusive, alguns para leitores que não se identificaram, não pediram autógrafos, pagaram e levaram o(s) livro(s) embora.  Anonimidade.
Conheci pessoalmente o autor Leon Nunes, gaúcho de Passo Fundo, meu amigo de Facebook há tempos.  Conversamos sobre ficção científica e qualidade de vida por boa parte da tarde calorenta no calabouço do Memorial.  Também conversei um pouco mais com Gilson da Cunha, que comprou um exemplar do Aventuras do Vampiro de Palmares.  Também conheci Greice Martinelli que, como eu, foi convidada para participar da antologia Ginoides, que reunirá histórias ambientadas no universo ficcional de Daniel Dutra.
Aliás, por falar em Daniel, mais tarde conversei um pouco com ele em nosso estande de vendas, bem como com Estevan Lutz, dois autores que tive oportunidade de publicar em antologias que organizei para a Draco.  Confessei ao Daniel que ainda não comecei a escrever meu conto para a antologia dele.

Estevan Lutz, Chris Kastensmidt e GL-R.

André Cordenonsi e GL-R.


Outra pessoa que adorei conhecer nesta Odisseia foi a jovem escritora paraense Roberta Spindler, autora do belo conto “Sol no Coração”, publicado na antologia Solarpunk (Draco, 2013) e do conto heroico “Herói das Urnas”, publicado na antologia Super-Heróis (Draco, 2014).  Sabendo que Roberta reside tão longe, não tinha lá grandes esperanças de conhecê-la pessoalmente tão cedo.  Foi um prazer e uma surpresa conversar com ela numa Odisseia de Literatura Fantástica, em pleno Rio Grande do Sul, longe da Cidade Maravilhosa e muito mais longe ainda de Belém, cidade da Roberta.

Roberta Spindler e GL-R.


Ana Lúcia Merege partiu por volta das 15h30 para pegar o voo de 17h00 de regresso para o Rio, deixando-me sozinho na mesa da Draco.
Perdi não só a mesa-redonda (aqui na Odisseia, mais informal, é chamada de “bate-papo”) da Simone Saueressig, Ana Lúcia Merege e Nikelen Witter, “Os Desafios da Literatura Infanto-Juvenil”, como também o da Ana Cristina Rodrigues, “Tradução de Literatura Fantástica”.  Afinal, precisei permanecer em meu posto no estande de vendas da Draco, enquanto Cláudia regressou duas vezes ao Lido para trazer mais livros e repor nossos estoques.

Bate-papo: "Desafios da Literatura Infanto-Juvenil" com
Simone Saueressig, Nikelen Witter e Ana Lúcia Merege.


Comprei o romance de ficção científica Padrão 20 — A Ameaça do Espaço-Tempo, da Simone Saueressig, e coligi prontamente o autógrafo da autora.  Numa de suas idas ao hotel, Cláudia trouxe o As Mil Mortes de César para o Max autografar.

André Cordenonsi, Simone Saueressig e GL-R.


Marinheiro de primeira viagem como vendedor de livros em eventos culturais, fiquei surpreso com a quantidade de gente que pega o livro na mão, lê as orelhas, o sumário e a quarta capa, cheira as páginas e não raro mordisca a lombada, tudo isto para devolver o livro à pilha de exemplares à venda e passar para o próximo título, só para repetir o mesmo ritual elaborado.  Moral da história: acho que ando comprando muitos livros pela internet.
Por falar em sonhos de consumo literário, compramos afinal aquele belo volume encadernado com capa de couro, que havíamos namorado ontem no estande em que adquirimos as camisas das casas nobres da Canção de Gelo e Fogo.  Mais tarde, de volta ao quarto 307 do Lido, descobrimos que pagamos mais caro pelo Por Dentro da Série da HBO, Game of Thrones (Leya, 2014) do que se houvéssemos comprado direto no site da Saraiva.  Bem, talvez eu não esteja tão errado assim em só comprar livros pela internet...
Ao fim do certame de sábado, o Bando Celta, um conjunto de música local com repertório gaélico e celta brindou os presentes com dezenas de melodias inspiradas, acompanhadas por palmas, danças e cabriolas dos ouvintes mais animados.  Cláudia comprou um CD com as músicas deles para ouvirmos de novo com mais calma, no aconchego do lar.

Leon Nunes e GL-R.

Cláudia com o Bando Celta.

Deixamos o Memorial por volta das 18h45 rumo ao hotel.  Desta vez decidimos arriscar e deixar os livros sob a toalha da mesa do estande, crentes e convencidos na velha máxima imemorial, segundo a qual “não se rouba livros no Brasil”.
Chegando ao quarto, transmiti a imagem da capa do romance Aventuras do Vampiro de Palmares para o site da empresa Império dos Bottons, com quem traváramos contato na Odisseia.  Encomendei cinquenta bótons e duas canecas com o motivo central da capa do livro para distribuir aos amigos e compradores em geral.
Tornamos a sair minutos mais tarde para a churrascaria Galpão Crioulo, onde já havíamos comemorado nos sábados da Primeira e Segunda Odisseias.  Dividimos um táxi com Leon Nunes, que está hospedado num hotel próximo ao nosso.
No Galpão Crioulo, sentamos perto do casal Chris & Fernanda Kastensmidt.  Pouco mais tarde, chegava Simone Saueressig, que se sentou ao lado da Cláudia.  Ao longo do jantar, conversamos principalmente com Leon, Simone e o casal Kastensmidt, pois tanto Ana Cris quanto Max Mallmann e André Cordenonsi estavam um pouco longe e precisávamos falar mais alto para conversar com eles (não que isto nos tenha impedido de lançar chistes e piadas mesa afora).

Galpão Crioulo - Panorâmica 1.

Galpão Crioulo - Panorâmica 2.

Galpão Crioulo - Cláudia & GL-R.

Com Fernanda, Leon e Simone conversamos, sobretudo, sobre o modo de ser dos gaúchos e cariocas e as maneiras distintas ou semelhantes que desenvolvemos ao longo das gerações para lidar com parentes, familiares e empregados.  Simone também falou sobre sua experiência como professora de balé e as diferenças entre o gaúcho tradicional do interior, o popular gaudério, e o cidadão de Porto Alegre.
Uma jovem chamada Cláudia Oliveira, que se sentava à minha esquerda, contou que havia defendido dissertação de mestrado em ficção científica na Grã-Bretanha sobre contadoras de histórias em narrativas fantásticas.  A partir daí, conversamos um pouco sobre os contos e romances de Ursula K. Le Guin.
Lá pelas tantas, durante o serviço, um garçom desajeitado derrubou uma bandeja repleta de pratos sujos e alguma comida sobre Ana Cris.  Um prato se estilhaçou contra seu crânio (ainda bem que a Ana sempre foi cabeça-dura!) e outro a atingiu no ombro e depois no braço direito, para então se quebrar no chão.  Em meio à comoção generalizada, nos levantamos para verificar as condições físicas de nossa amiga, que reclamava da dor no ombro e do cheiro de molho de churrasco em seus cabelos, não necessariamente nesta ordem de importância.  Fernanda afirmou que o Galpão não deveria cobrar o buffet no caso da Ana como forma de cortesia e, sobretudo, compensação e pedido de desculpas tácito pelo acidente.  Mas não sei se tal cortesia ocorreu.  Pelo sim, pelo não, Max indicou o garçom desastrado como voluntário para vítima no show folclórico com chicotes e facas.  Curiosamente, a sugestão não foi vista com bons olhos pela casa.
Lá pelas tantas, como não poderia deixar de ser, o tópico do universo ficcional da Canção de Gelo e Fogo do George R.R. Martin veio à baila.  Todos manifestamos nossos temores e esperanças de que o autor não pereça antes de concluir os últimos dois romances da saga.  Ana Cris nos assegurou que ele já está explicando para os produtores da série televisiva Game of Thrones como a história acaba, just in case...
O churrasco servido no espeto estava tão saboroso como de outras feitas.  Mais uma vez, degustamos nosso jantar com uma garrafa de Boscato Reserva Merlot e bastante coca-zero para ajudar na digestão.  Mousse de chocolate como sobremesa na hora do show de danças folclóricas gaúchas e das exibições de chicotes e facas.  Na ausência de nosso heroico Rober Pinheiro, as vítimas para as exibições foram escolhidas em outras mesas.  Por outro lado, um dos artistas que se exibia no palco era praticamente um sósia do César Alcázar, suspeitamente ausente deste evento comemorativo.  Ao fim do espetáculo, uma frequentadora algo alterada de outra mesa, acariciou os cabelos da Cláudia, confundindo-a com outra moça que havia subido ao palco para ter seus cabelos esvoaçados pelas boleadeiras.  Pouco mais tarde, avistamos essa mesma senhora alterada dançando de forma algo lasciva com um rapaz da mesa dela e convidando os demais presentes a subir ao palco para compartilhar aquele momento mágico com eles.  Prudentemente, ao nos levantarmos para pagar a conta, afastamo-nos o máximo possível do palco referido.  Julgamos melhor não arriscar.
Ao fim do jantar e do show, a maioria dos componentes de nossa mesa resolveu esticar num bar da cidade, a Taverna Medieval.  Eu, Cláudia, Simone e Leon declinamos do convite e, após sermos declarados “brochas” por alguns amigos, fomos liberados para regressar aos nossos respectivos hotéis.  Empolgados, nossos amigos festeiros acabaram se apiedando de nosso cansaço e, inclusive, permitiram que tomássemos o primeiro dos muitos táxis que pedimos para sair do Galpão Crioulo.
Deixamos a Simone no hotel dela e seguimos até a porta do Lido, onde nos despedimos do Leon.
Uma vez no quarto, ainda trabalhei um pouco nesta crônica antes de mergulhar de cabeça no sono dos justos.
Lido Hotel, Porto Alegre, 12 de abril de 2014 (sábado).


DIA 3
201404131120P1 — 19.637 D.V.

Hoje acordamos mais tarde e só conseguimos descer para o desjejum às 09h00.  No restaurante do hotel encontramos Simone Marques e o casal Mushi e Lia Viegas.  Os dois últimos nos informaram que não resistiram muito tempo à esticada na tal taverna.
De volta ao quarto, li mais um trecho da novela “Chicken Little” de Cory Doctorow, último trabalho da antologia Twenty-First Century Science Fiction (Tor Books, 2013), preparamos nossas malas e pertences e descemos para o check-out no Lido.  Deixamos nossas malas guardadas na recepção do hotel, para onde retornaríamos à noitinha para tomar um táxi para o Aeroporto Salgado Filho.
Check-out efetuado, já fora do Lido, um belo dia ensolarado de outono com um frio de lascar.  Exatamente como a previsão meteorológica havia adiantado e nós não acreditamos, afinal de contas, em plagas cariocas, um dia ensolarado como o de hoje é sempre mais quente do que um dia chuvoso como os de ontem e anteontem.
Abalados pelo vento cortante (“Ah, esses pobres cariocas perdidos nos pampas sulinos...”), resolvemos nos abrigar e almoçar em estilo slow food no Bistrô do Museu, coisa de cinquenta ou sessenta metros do Memorial, estabelecimento de confiança que já conhecia da Segunda Odisseia.  Pedimos risoto al funghi com tiras de filet mignon regado por duas taças do vinho da casa, nosso bom e velho Boscato Cabernet Sauvignon.
Quando saímos do bistrô rumo ao Memorial, ainda não eram 14h00 e a porta principal permanecia cerrada, mas descolamos uma entrada lateral, quase inteiramente cercada por milhares de pessoas presentes na praça do Memorial para participar do evento Comida de Rua.
Uma vez no calabouço do Memorial, reencontramos nosso estande com os livros intactos.  Estande reorganizado, corremos atrás dos bottons e das canecas.  Os primeiros ficaram show, mas as últimas não ficaram prontas.  O frio lá fora provocou um efeito benéfico na temperatura no interior do calabouço.  O calor úmido avassalador transformou-se num calorzinho tépido e agradável.
Conversei com Artur Vecchi e seus dois filhos.  Artur me falou que está criando uma editora de literatura fantástica, a Vecchi Editora, e que lançará seu primeiro título em maio próximo, um thriller futurista à la Silicone XXI, ambientado no Rio de Janeiro, circa 2030.  Artur é neto do fundador da antiga editora Vecchi, responsável por muitas e muitas publicações de qualidade nas décadas de 1950 e 1960.
Também conversei com a Simone Saueressig e sua mãe, que é tão simpática quanto ela.  A mãe da Simone confirmou a versão da filha, apresentada na Primeira Odisseia, segundo a qual ela começou a escrever por preguiça.
Pouco antes de embarcar para o Rio, Ana Cristina comprou um exemplar do Aventuras do Vampiro de Palmares.  Como sobrara exemplares da antologia Super-Heróis, adiantei o exemplar de autor ao Lucas Rocha.

Bate-papo: "Lovecraft e os Mitos de Cthulhu", com
Duda Falcão, Guilherme Braga, Gustavo Czekster e José F. Botelho.


Às 16h30, Cláudia já regressara de um raid no Museu de Artes e me rendeu no estande da Draco, de forma que eu pude me ausentar por uma hora para assistir a mesa-redonda “Ficção Científica: Literatura vs. Adaptações Cinematográficas”, moderada por Gílson Luís da Cunha, com a participação de Max Mallmann e Geraldo Rodolfo Hoffmann, um professor universitário vetusto que se revelou um autêntico craque em ficção científica cinematográfica e literária.  Como a palestra de abertura proferida por Tabajara Ruas, essa mesa-redonda teve lugar no auditório do piso principal do Memorial.  Antes da mesa-redonda em si, Max exibiu um teaser de seu novo romance As Mil Mortes de César.  O bate-papo saboroso versou não apenas sobre as adaptações cinematográficas de obras literárias, mas também das novelizações, que são justamente o contrário.  Os exemplos abordados com minúcias foram desde A Máquina do Tempo até O Jogo do Exterminador; de O Planeta dos Macacos até Campo de Batalha: Terra.  Isto para não falar dos romances que, na opinião dos panelistas, deveriam ter sido adaptados para o cinema mais não foram.  Sem dúvida, é o tipo de papo que dá pano para manga.  Ao fim do bate-papo, Gílson citou especificamente Aventuras do Vampiro de Palmares como a obra de literatura fantástica brasileira que ele mais apreciaria ver adaptada para o cinema.  Não tem preço!J

Teaser do romance As Mil Mortes de César.

Bate-papo: "Ficção Científica: Literatura x Adaptações Cinematográficas" com
Max Mallmann, Gílson Luís da Cunha e Geraldo Rodolfo Hoffmann.


De volta ao calabouço e ao estande da Draco, travei contato com Marco Alexandre Silva, um amigo que até então eu só conhecia de Facebook.  Marco efetuou as duas últimas compras deste domingo, antes que fechássemos o estande e retornássemos ao Lido para pegar nossas malas e embarcar num táxi para o aeroporto.  Comprou uma Erótica Fantástica 1 (Draco, 2012) e um Aventuras do Vampiro de Palmares.
Magnânimo, Felipe Castilho já acertou comigo os livros da Draco faturados com a máquina que ele trouxe para vender os livros de seu estande.
Pouco depois nos despedíamos dos amigos que ainda não haviam partido.  Ao nos despedirmos do Max Mallmann, ele nos apresentou seu pai, que ainda não conhecíamos.
Seguimos até o hotel e, uma vez resgatadas nossas malas, rearrumamos os livros da Draco, retirando-os de minha mochila e colocando-os na mala que será despachada na viagem de regresso ao Rio.
Pegamos um táxi até o Salgado Filho e, após o check-in, na fila para despachar a mala dos livros, bem mais leve do que na viagem de ida, reencontramos com o casal Mushi & Lia, com Lucas Rocha e com o Felipe Castilho.
Às 21h00, embarcamos no voo TAM JJ3092, Porto Alegre-Rio de Janeiro.  O voo transcorreu sem maiores percalços e, já no Galeão-Tom Jobim.  Leitura de bordo: Por Dentro da Série da HBO, Game of Thrones.  Por volta das 23h30, já com a mala de livros em punho, pegamos um táxi que nos conduziu em absoluta segurança para casa à velocidade cautelosa de 110 km/h em plena Linha Vermelha, mas chegamos inteiros.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 14 de abril de 2014 (domingo).



Participantes:
Ana Carolina Silveira
Ana Cristina Rodrigues
Ana Lucia Merege
Andre Zanki Cordenonsi
Artur Vecchi
Bruno Schlatter
Cesar Alcázar
Christian David
Christopher Kastensmidt
Cláudia Oliveira
Cláudia Quevedo Lodi
Daniel Dutra
Duda Falcão
Felipe Castilho
Fernanda Lima Kastensmidt
Flávia Cortes
Geraldo Rodolfo Hoffmann
Gerson Lodi-Ribeiro
Gílson Luís da Cunha
Greice Martinelli
Jerri Dias
Leon Nunes
Lia Matos Viegas
Lucas Rocha
Marcelo D. Amado
Marcelo Paschoalin
Marcelo Rodrigo Pereira (Mushi)
Marcos Alexandre Silva
Max Mallmann
Nikelen Witter
Roberta Spindler
Simone O. Marques
Simone Saueressig
Suzy M. Hekamiah
Tabajara Ruas
Vagner Abreu





[1].  Romance épico sobre a Guerra dos Farrapos (1835-1845), onde Tabajara Ruas pinta em tons heroicos, mas verossímeis, as participações históricas e militares dos principais líderes da Revolução Farroupilha, dentre os quais Bento Gonçalves da Silva; Antônio de Souza Netto; Davi Canabarro; João Antônio da Silveira; Giuseppe Garibaldi; Conde Lívio Zambeccari; Onofre Pires da Silveira Canto; Domingos Crescêncio; Lucas de Oliveira; Teixeira Nunes; João Manoel de Lima e Silva; Joaquim Pedro; José Afonso de Almeida Corte Real, bem como os imperiais Diogo Feijó; Barão de Caxias; Bento Manuel Ribeiro; Francisco Pedro de Abreu, o Moringue; Silva Tavares; Gaspar Francisco Menna Barreto.  Bem escrito. O fim da leitura deixa saudades. Romance histórico de primeira linha.  Epopeia da revolução e da invenção de uma república no seio do império se desenrola em ordem cronológica.
[2].  Após se ferir e contrair malária durante a Campanha do Chaco na Guerra do Paraguai, o general brasileiro Antônio de Souza Netto lembra-se de vários episódios de sua vida atribulada, sua participação na Guerra dos Farrapos, onde ele proclamou a República Rio-Grandense, seu exílio do Uruguai e seu envolvimento num novo conflito, não mais como jovem idealista, mas como homem maduro, a Guerra do Paraguai.  Épico histórico brasileiro de qualidade excepcional.

terça-feira, 8 de abril de 2014

O Rubicão do Romance Fix-up DE História Alternativa

Recebi ontem os primeiros exemplares de meu romance fix-up de história alternativa Aventuras do Vampiro de Palmares (Draco, 2014), ambientado no universo ficcional dos Três Brasis.  A publicação desse trabalho em particular me deixou extremamente feliz, pelo fato de concretizar o sonho de quase vinte anos de publicar sob a forma de romance a saga de meu personagem Dentes Compridos, fundindo suas várias aventuras numa obra que fizesse sentido.  Com essa publicação, sinto como se houvesse finalmente cruzado uma espécie de Rubicão em minha carreira literária.
Porém, como diria Jack o Estripador, que também tem algo a ver com essa história, “Vamos por partes”.
Meu périplo pessoal em termos de narrativas extensas dentro desse universo ficcional começou no fim de 1995, época em que concluí minha primeira tentativa de produzir um fix-up, um romance de 67 mil palavras, constituído por versões bem anteriores as atuais das noveletas “Crepúsculo Matutino”; “O Vampiro de Nova Holanda”; e “A Traição de Palmares”.  Por volta de 1997, sob o título de Filhos da Noite, esse romance teve sua publicação aprovada na Coleção Visões, então recém-lançada pela editora da Universidade de São Carlos.  Ótimo!  Não poderia ser melhor: teria meu primeiro livro solo publicado por uma editora séria e esse livro seria um romance.[1]


Capa do romance fix-up Filhos da Noite.



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Estaria mentindo descaradamente se afirmasse que o malogro da iniciativa da Universidade de São Carlos não me desanimou um bocado.  Afinal, teria representado a publicação do meu primeiro romance profissional, já que até então eu só havia publicado três trabalhos na revista francesa de ficção científica Antàres[2] e duas noveletas na versão brasileira da Asimov’s.[3]
Desanimei, mas não desisti.  Porque, dois anos mais tarde, quando precisei escrever uma noveleta de história alternativa para a antologia Phantastica Brasiliana (Ano-Luz, 2000), que organizei com Carlos Orsi Martinho, não hesitei em escrever a noveleta “Capitão Diabo das Geraes”, recorrendo uma vez mais ao bom e velho Dentes Compridos, agora mais conhecido pela alcunha de “Capitão Diabo”, para perturbar a mando de Palmares as partidas de diamantes do Distrito Defeso do Arraial do Tijuco dos tempos de Chica da Silva e do Real Contratador João Fernandes de Oliveira.[4]
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Na esteira de “Capitão Diabo das Geraes”, escrevi três outros trabalhos, novas aventuras do último filho-da-noite: “Morcego do Mar”; “Consciência de Ébano”[5]; e “Azul Cobalto e o Enigma”[6].  Juntos, esses quatro trabalhos constituem um subtexto à parte dentro do U.F. Três Brasis, um quarteto que batizei Saga do Salteador, conforme detalhado na crônica homônima.
Contudo, bem antes desse quarteto, lá por idos de 1994, escrevi a noveleta “Assessor para Assuntos Fúnebres”, uma aventura de Dentes Compridos na Londres vitoriana, ocasião em que o protagonista trava contato com um Jack o Estripador reinterpretado à luz da ficção científica e da história alternativa.
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Quando surgiu a oportunidade de publicar pela Editora Draco meu romance de história alternativa e vampirismo científico contando as aventuras de Dentes Compridos, aquele fix-up original, velho de uma década e meia, já não parecia adequado.  A expectativa de concretizar o sonho antigo, frustrado pelo malogro da coleção universitária de literatura fantástica, soou-me em 2012 como uma nova chance de atravessar esse Rubicão literário pessoal.
O primeiro passo foi excluir a novela “A Traição de Palmares”[7].  Porque, afinal de contas, meu protagonista favorito não dava as caras naquela narrativa.  Era tão somente referido de forma indireta.
O segundo passo foi incluir três outros trabalhos: a noveleta “Capitão Diabo das Geraes”; a novela inédita “Morcego do Mar”; e a noveleta “Assessor para Assuntos Fúnebres”.
Por último, cumpria reescrever o novo fix-up para lhe conceder sentido e consistência.
No que diz respeito às histórias de publicação profissional, os cinco trabalhos que constituem esse novo romance fix-up, tanto “Crepúsculo Matutino” quanto “Morcego do Mar” são inteiramente inéditas.  Já “Capitão Diabo das Geraes” só foi publicada na Phantastica Brasiliana, há quase quinze anos e numa edição de meros quinhentos exemplares.  Por outro lado, “O Vampiro de Nova Holanda” e “Assessor para Assuntos Fúnebres” foram publicados diversas vezes, no Brasil e em Portugal.  No âmbito lusófono, “Assessor...” apareceu inicialmente em minha primeira coletânea de ficção curta publicada em Portugal, Outras Histórias... (Editorial Caminho, 1997) e “O Vampiro de Nova Holanda” na coletânea homônima, publicada pela mesma editora no ano seguinte.  Tempos mais tarde, essas duas narrativas fariam seu debut em nosso país em grande estilo, quando da publicação da minha coletânea de história alternativa Outros Brasis (Mercuryo, 2006).

Capa do romance fix-up Aventuras do Vampiro de Palmares.

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Escrita em setembro de 1995 e reescrita pelo menos duas vezes desde então, com 18.000 palavras em sua versão atual, a novela “Crepúsculo Matutino” fala da gênese e dos mitos de Criação do Povo Verdadeiro, também conhecidos como filhos-da-noite, humanoides que evoluíram como nossos predadores.  Mostra o apogeu e a queda dessa cultura não humana na América do Sul pré-colombiana, a guerra secreta que travaram contra o Império Inca e a fuga em marcha lenta do jovem filho-da-noite Dentes Compridos Brasil Colonial adentro, até trombar, dois séculos mais tarde, com a República de Palmares, então já sob forte influência cultural de Nova Holanda.  Dentre os trabalhos incluídos no Aventuras do Vampiro de Palmares, “Crepúsculo Matutino” é o único que não possui o caráter de história alternativa, mas antes o de história oculta, isto é, a história não acontece exatamente como aprendemos na escola, embora ninguém a não ser o leitor saiba disso.
Escrita em abril de 1994, com 20.400 palavras em sua versão atual, a novela “O Vampiro de Nova Holanda” foi reescrita três ou quatro vezes, em geral por conta de uma nova publicação.  É a narrativa dos primeiros anos de Dentes Compridos como agente secreto da Confederação de Palmares.  A ação se desenrola por volta de 1675, época em que ele atua no Recife — cidade que, nessa linha histórica alternativa, permaneceu sob o domínio holandês e se tornou não só uma grande metrópole, mas também o maior porto açucareiro do mundo.
Escrita em maio de 1999, com 12.300 palavras, “Capitão Diabo das Geraes” é a primeira estrofe do quarteto de narrativas sobre as quais discorri na crônica “A Saga do Salteador”.  A narrativa se passa em 1754, três décadas após a proclamação da república em Palmares.  Uma época em que a Coroa Portuguesa intervém de forma velada na guerra civil palmarina entre facções iorubas católicas e pagãs, um conflito de baixa intensidade que grassa na província republicana da Bahia do Norte.  Em represália, a Primeira República envia um comando de elite encabeçado por Dentes Compridos para, disfarçados de salteadores, atrapalhar o fluxo de diamantes no Arraial do Tijuco, pois era o Contratador João Fernandes que financiava o apoio aos iorubas pagãos em nome da Coroa.
Escrita em abril de 2003, com 25.200 palavras, a novela “O Morcego do Mar” constitui a narrativa mais longa escrita neste universo ficcional.  A ação se passa em 1775, época em que a Primeira República presta apoio aos rebeldes das Treze Colônias em sua luta pela independência.  A história reúne outra vez os personagens João Fernandes e Anduro, criados em “Capitão Diabo das Geraes” e que agora atuam como diplomatas de Palmares junto aos rebeldes.  Dentes Compridos ressurge sob a identidade de José Meia-Noite, comandante da fragata palmarina que empresta seu nome à novela, vaso que engajará contra a frota da Royal Navy que conduz os reforços necessários para debelar a rebelião.
Escrita em agosto de 1994 e reescrita diversas vezes desde então, com 12.300 palavras em sua versão atual, a noveleta “Assessor para Assuntos Fúnebres” se passa durante um período de férias de Dentes Compridos na Londres vitoriana na penúltima década do século XIX, época em que o último filho-da-noite se envolve com as atividades literárias de Bram Stoker, autor de Drácula, e com a série de crimes perpetrada por Jack o Estripador.
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A publicação do Aventuras do Vampiro de Palmares reúne enfim a maioria das narrativas de Dentes Compridos num único volume.  Foram deixadas propositalmente de fora as duas narrativas mais recentes do personagem, a noveleta “Consciência de Ébano” (2006) e a novela “Azul Cobalto e o Enigma” (2012), publicadas em volumes distintos da triantologia punk que organizei para a Draco entre 2010 e 2012.
Há ainda as narrativas ambientadas no U.F. Três Brasis em que Dentes Compridos não aparece, como, por exemplo, “A Traição de Palmares” (1994); “Pátrias de Chuteiras” (1998); “Gigante dos Pés de Barro” (2000); e “O Caminho da Verdade” (2002).  Ambientada no norte do Peru, cerca de nove séculos antes da chegada dos europeus, essa última noveleta fala das peripécias de filhos-da-noite que viveram quase um milênio antes do protagonista do romance fix-up.
Além das cinco narrativas descritas acima, essa primeira edição bem-acabada do Aventuras do Vampiro de Palmares contém dois apêndices: “Argumento Ficcional” e “História que Não Aprendemos na Escola”.  O primeiro apêndice delineia o universo ficcional em termos de história alternativa, vampirismo científico e história oculta.  O segundo detalha a linha histórica alternativa do Três Brasis, desde 600 a.d. até 1986.
Cada comemoração tem o seu momento, suas particularidades e sua personalidade própria.  Gosto de beber bons vinhos, porém, um vinho realmente bom não pode (ou, pelo menos, minha situação financeira não permite) ser bebido todos os dias.  Portanto, para comemorar o lançamento do Aventuras do Vampiro de Palmares, após a odisseia de quase duas décadas que lhes narrei acima, uma vez cruzado o Rubicão, nada melhor do que brindar a façanha com um tinto californiano de escol que tem tudo a ver: Rubicon 2004, produzido pela Rutherford, Napa Valley.  Um corte bordalês você pode assumir tranquilamente como varietal: Cabernet Sauvignon (96%); Petit Verdot (2%); Merlot (1%); e Cabernet Franc (1%).  Resumo da ópera?  O melhor californiano que já provei, superando até mesmo o mítico Artemis 2004, da Stag’s Leap, a vinícola que derrotou os melhores tintos de Bordeaux duas vezes seguidas no Julgamento de Paris, numa degustação às cegas com juízes franceses.  Desta forma, meu primeiro romance fix-up teve a comemoração que merecia!





Gerson Lodi-Ribeiro
Abril de 2014.




[1]Filhos da Noite seria o segundo volume da Visões, que estreou com a coletânea de André Carneiro, A Máquina de Hyerônimus (Editora da UFSCar, 1997).  Infelizmente, a coleção foi descontinuada após a publicação desse primeiro título.
[2].  “Xenopsicólogos na Fase Crítica” (Antarès 35, 1989); “Quando os Humanos Foram Embora” (Antarès 37-38, 1991); e “A Ética da Traição” (Antarès 41-42, 1992).
[3].  “Alienígenas Mitológicos” (Isaac Asimov Magazine # 15, julho 1991) e “A Ética da Traição” (Isaac Asimov Magazine # 25, janeiro de 1993).
[4].  Aos interessados em saber mais sobre a gênese desta noveleta e sua relação com a música “The Highwayman”, de Jimmy Webb, sugiro a leitura de minha crônica “A Saga do Salteador”: http://www.alternative-highwayman.blogspot.com.br/.
[5].  A noveleta “Consciência de Ébano” foi publicada na antologia de história alternativa Vaporpunk (Draco, 2010).
[6].  A novela “Azul Cobalto e o Enigma” foi publicada na antologia de história alternativa Solarpunk (Draco, 2012).
[7].  Essa novela foi publicada pela Editora Writers em 2000 numa das primeiras encarnações brasileiras do sistemas de impressão por demanda.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

A Saga do Salteador

Concluí há coisa de um ano a saga iniciada exatos treze anos atrás quando escrevi “Capitão Diabo das Geraes”, uma noveleta de história alternativa passada na linha histórica Três Brasis, publicada originalmente na antologia Phantastica Brasiliana, que organizei com Carlos Orsi Martinho para a editora Ano-Luz.

Capa e contracapa da antologia Phantastica Brasiliana (Ano-Luz, 2000).


Desejava escrever um trabalho de história alternativa no universo ficcional que havia estabelecido cinco anos antes para a novela “O Vampiro de Nova Holanda” (abril 1994)[1] e que eu já havia revisitado na noveleta “Assessor Para Assuntos Fúnebres” (agosto 1995)[2] e, naquele primeiro semestre de 1999, eu estava ouvindo bastante o CD áudio Ten Easy Pieces, do Jimmy Webb, particularmente a música “The Highwayman”, que, além de uma melodia belíssima, possui uma letra inspiradora que, como diversas outras letras desse compositor, parece falar direto aos amantes de ficção científica e fantasia.
Ou, no caso, de história alternativa.
Porque, prestando atenção na letra de “The Highwayman” (algo como “O Salteador” em português), senti que tinha tudo a ver com o personagem que atua como protagonista de “O Vampiro de Nova Holanda”, Dentes Compridos, o último dos filhos-da-noite — um exemplar de vampiro natural (em oposição aos vampiros sobrenaturais) cuja espécie evoluiu como predadora de seres humanos.
Daí, retornei ao universo dos Três Brasis para escrever uma noveleta inspirada na primeira estrofe dessa obra-prima de Jimmy Webb, cuja letra original segue abaixo:

THE HIGHWAYMAN (Jimmy Webb © 1977)

I was a highwayman
Along the coach roads I did ride
With sword and pistol by my side
Many a young maid lost her baubles to my trade
Many a soldier shed his life blood on my blade
The bastards hung me in the spring of '25
But I am still alive

I was a sailor
I was born upon the tide
And with the sea I did abide
I sailed a schooner 'round the horn to México
I went aloft to furl the mainsail in a blow
And when the yards broke off they said that I got killed
But I am living still

I was a dam builder
Across the river deep and wide
Where steel and water did collide
A place called Boulder on the wild Colorado
I slipped and fell into the wet concrete below
They buried me in that great tomb that knows no sound
But I am still around...
I'll always be around, and around, and around, and around, and around...

I'll fly a starship
Across the Universe divide
And when I reach the other side
I'll find a place to rest my spirit if I can
Perhaps I may become a highwayman again
Or I may simply be a single drop of rain
But I will remain
And I'll be back again
and again, and again, and again, and again...

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“Capitão Diabo das Geraes” (maio 1999) se inspirou na primeira das quatro estrofes de “The Highwayman”, aquela que apelidei “Salteador”[3].
Como poucos anos antes havia assistido a telenovela Chica da Silva na finada Rede Manchete e lido o romance histórico Chica que Manda (Itatiaia, 1966), de Agripa Vasconcelos, percebi que poderia ambientar a ação nos sertões de Minas Gerais de meados do século XVIII, mais especificamente, no Distrito Defeso do Tijuco dos tempos do Real Contratador dos Diamantes João Fernandes de Oliveira e sua mulata bem-amada, Chica da Silva.  Só que num sertão mineiro diferente, pois ao norte daquela província, havia um Estado que não existiu como tal em nosso mundo, a primeira nação soberana das Américas: Palmares, que já teria conquistado sua independência há coisa de setenta ou oitenta anos e se transformado de reino em república algumas décadas antes.

Miniatura mochica de divindade hematófaga pré-colombiana. Pseudoinspiração
para a saga do último filho-da-noite. Pois a novela "O Vampiro de Nova Holanda
foi escrita em 1994 e só descobri a divindade mochica  em janeiro de 2000...


Após atuar durante décadas como espião e agente secreto de Palmares, Dentes Compridos é enviado ao Tijuco com a missão de perturbar ou interromper o fluxo de diamantes que partia do distrito defeso para a metrópole portuguesa, em represália ao apoio velado de Lisboa à rebelião de colonos iorubas, assentados décadas antes pela elite palmarina na região da Primeira República então designada como “Bahia do Norte”.
Sob a alcunha de “Capitão Diabo”, o filho-da-noite lidera um bando de salteadores, em verdade, militares do bem treinado Exército de Palmares, cujo objetivo último consiste em persuadir a Coroa Portuguesa, lá representada na figura do Real Contratador dos Diamantes, a cessar sua intervenção na guerrilha que os iorubas travavam ao sul da República em prol da liberdade religiosa — visto que esses colonos professavam seus cultos africanos, em desacordo com as leis palmarinas, que adotaram a fé católica como religião oficial.  Tal persuasão se dá através de atos de terror contra as autoridades do Tijuco e a população do distrito.  A situação se agrava com a chegada do novo contratador, um vida-curta sagaz, oponente à altura da astúcia e experiência que Dentes Compridos acumulou ao longo de séculos de convívio com humanos de diversas etnias.
“Capitão Diabo das Geraes” foi publicada originalmente na antologia de história alternativa Phantastica Brasiliana (Ano-Luz, 2000) e será relançada no meu romance fix-up Aventuras do Vampiro de Palmares (Draco, 2013).
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“Morcego do Mar” (abril 2003) se inspirou na segunda estrofe da música de Jimmy Webb, apelidada “Comandante”[4].
A motivação precípua para escrever essa novela foi o convite de César R.T. Silva para compor uma história alternativa mais encorpada para uma coleção de novelas que ele pretendia publicar sob a forma de livros-solo.  Infelizmente, o projeto não emplacou, mas, de todo modo, a novela foi escrita.  Com mais de 25 mil palavras, “Morcego do Mar” é de longe a maior das quatro peças literárias que compõem a Saga do Salteador.[5]
Agora a serviço da Primeira República, João Fernandes, vira-casaca e ganga branco de Palmares, é enviado para as Treze Colônias Inglesas em plena insurreição que culminaria na Guerra de Independência.  Uma vez lá, ele firma tratados para apoiar os rebeldes norte-americanos, só para descobrir que parte desse apoio consistia em embarcar na Morcego do Mar, fragata da Marinha Palmarina sob o comando de José Meia-Noite, que não é outro se não seu velho desafeto, o Capitão Diabo...
“Morcego do Mar” permanece inédita até hoje.  Será publicada em breve no Aventuras do Vampiro de Palmares (Draco, 2013).

Cenário Naval da novela "O Morcego do Mar", publicada em Aventuras do Vampiro de Palmares (Draco, 2014)

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A inspiração para escrever “Consciência de Ébano” (maio 2006) veio da terceira estrofe de “The Highwayman”, aquela a que me refiro como “Engenheiro”[6].
Já a motivação surgiu com o convite para publicar um romance fix-up sobre as aventuras de Dentes Compridos para o selo Unicórnio Azul da editora Mercuryo, então sob comando de Fábio M. Barreto.  Embora o selo tenha publicado apenas dois títulos — a novela de ficção alternativa A Mão que Cria (Mercuryo, 2006), de Octavio Aragão, e minha coletânea de histórias alternativas Outros Brasis (idem) — embalado pelas perspectivas otimistas propaladas pela Unicórnio Azul, acabei escrevendo “Consciência de Ébano”.
Agora a ação se passa na primeira metade do século XIX.  Palmares dispõe de uma malha ferroviária extensa, seus cientistas aceitaram há décadas a Evolução pela Seleção Natural como fato concreto e seus engenheiros começam a cogitar aplicações práticas para a eletricidade.  Nesse clima de avanços científicos e tecnológicos, Dentes Compridos, ora na pele do engenheiro José Trevoso, propõe a construção da primeira represa hidroelétrica de história em pleno rio São Francisco.
No entanto, nem tudo são flores nos rincões da Primeira República.  Pois essa também é a história de João Anduro, neto de João Fernandes e membro do Círculo de Ébano, organização secreta criada pouco antes de Palmares se tornar uma república para proteger o segredo da existência de Dentes Compridos.  Anduro é um mbundo de lealdades divididas.  Por um lado, prestou juramento para defender o filho-da-noite com sua própria vida.  Por outro, julga a proteção que a pátria faculta ao monstro imortal uma abominação e considera a dependência que a República desenvolveu em relação à eficiência mortífera do protegido um sacrilégio.  Esse dilema ético atroz é a mola que propulsiona a narrativa da noveleta.
“Consciência de Ébano” foi publicada originalmente na antologia de história alternativa Vaporpunk (Draco, 2010).

A novela “Azul Cobalto e o Enigma” (maio 2012) foi inspirada na quarta e última estrofe da música de Webb, aquela em que costumo pensar como “Astronauta”[7].
Foi de longe a peça mais difícil de escrever do quarteto e por um motivo muito simples: pelo fato de se passar na época atual de uma linha histórica em que a ciência e a tecnologia se desenvolveram mais rápido do que na nossa, a narrativa praticamente abandona as sendas da história alternativa propriamente dita para ingressar na seara da ficção científica hard.  Seria, portanto, a primeira narrativa no universo ficcional dos Três Brasis com mais cara de FC do que de história alternativa e eu nutria dúvidas se uma narrativa desse gênero funcionaria na prática.  Talvez essa incerteza ajude a explicar o intervalo de seis anos entre a conclusão da terceira peça e a dessa novela.
Depois de matutar durante esse período de tempo sobre como escrever tal narrativa, senti que o momento ideal para concretizá-la havia enfim chegado quando organizava a Solarpunk.  Como antologista, desejava propor um trabalho diferente no livro que estava montando, um texto capaz de fugir um pouco à mesmice das energias alternativas e seres humanos fotossintéticos que, suspeitei, seriam onipresentes na maioria das submissões aprovadas.  Daí, veio a ideia de mandar Dentes Compridos para uma aventura final no espaço interplanetário.
Parte da motivação para escrever essa peça veio de um desafio lançado pelo fã paulistano Ivo Heinz há coisa de quinze anos, quando de nossas andanças pelos sebos da capital paulista numa manhã chuvosa de sábado.  Lá pelas tantas, ele me questionou sobre a ausência de protagonistas brasileiros nas histórias alternativas ambientadas no universo ficcional dos Três Brasis.  Sem pensar demasiado no assunto, comentei que a ideia de um protagonista brasileiro era fascinante, mas que não sabia se teria inspiração para desenvolver uma narrativa plausível a partir da mesma.  Pois bem.  Década e meia se passou até que eu lograsse produzir outro herói brasileiro viável nesta linha alternativa, que não o meu João Fernandes ficcional.  Jonas Aranha surgiu para cumprir esta nobre missão, de todo modo, mais nobre do que a de encontrar e aniquilar o último filho-da-noite.  Pois, em pleno século XXI, Dentes Compridos ainda constitui fonte de preocupações para a comunidade da inteligência militar brasileira.  Aranha é o Azul Cobalto do título: um oficial tetraplégico tornado em super-herói graças à sua armadura invencível, uma espécie de Homem-de-Ferro brasileiro alternativo.  Lógico que “Enigma” é como o Serviço de Inteligência Brasileiro designa seu pior inimigo.
Embora parte da narrativa de “Azul Cobalto e o Enigma” se passe na Terra, as cenas de ação mais intensas são ambientadas num satélite de Júpiter, num veleiro espacial e na estação orbital São Paulo.  O próprio o confronto crucial entre os dois “heróis” não ocorre em nosso planeta.  Concluída a novela, percebi que ela também se encaixaria bem na Super-Heróis, antologia que preparei para a Draco em parceria com Luiz Felipe Vasques.
Além do herói brasileiro, também fiz uso em “Azul Cobalto e o Enigma” da dupla de amigos escritores, Gilson Pellegrino e Carlos Fernandes, que já havia aparecido num conto desta linha histórica, “Gigante dos Pés de Barro” (Megalon, 59 — Dezembro 2000).  Pellê e Fernandes agora se arvoram em investigadores, correlacionando dados para tentar provar a existência de um assassino serial imortal que vem atuando contra o Brasil há séculos.
“Azul Cobalto e o Enigma” foi publicada na Solarpunk (Draco, 2012), terceiro e último volume do projeto de triantologia punk sui generis que organizei para a editora.
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Quem sabe um dia não consigo reunir este “Quarteto do Salteador” num único volume?
Se tal acontecesse, como sonhar não custa, o ideal seria que tal coletânea fix-up fosse prefaciada pelo próprio Jimmy Webb.  Seria a glória.

Gerson Lodi-Ribeiro
Maio de 2013.




[1].  Todas as datas publicadas entre parênteses no formato (mês ano) se referem à época da conclusão da peça literária em questão.
[2].  Esses trabalhos foram publicados profissionalmente no bojo das duas coletâneas que lancei em Portugal pela Editorial Caminho.  “Assessor para Assuntos Fúnebres” saiu na Outras Histórias... (1997) e “O Vampiro de Nova Holanda” saiu na coletânea homônima (1998).  Ambas as narrativas foram publicadas em nosso país na minha coletânea de história alternativa Outros Brasis (Mercuryo, 2006).
[3] Fui Salteador
Pelas estradas cavalguei
De espada e pistola à cinta
E muitas donzelas perderam seus adornos em minha lida
E muitos soldados verteram sangue em minha lâmina
Os patifes me enforcaram na primavera de ‘25
Mas eu sobrevivi.
[4]. Fui Homem do Mar
Nasci na preamar
E no mar permaneci
Velejei numa escuna à volta do Cabo Horn, até o México
Numa tormenta, subi o mastro para colher a vela-mor
E quando as vergas quebraram, disseram que morri
Porém, sobrevivi
Quiçá eu viva pra sempre...  Não sei.
[5]. “Capitão Diabo das Geraes” (12.300 palavras); “Morcego do Mar” (25.200 palavras); “Consciência de Ébano” (14.800 palavras); e “Azul Cobalto e o Enigma” (19.600 palavras).
[6]. Fui um Construtor de Represas
Sobre o rio largo e profundo
Onde aço e água se entrebatem
Num lugar chamado Boulder, no Colorado bravio
Escorreguei e despenquei dentro do betão fresco
Eles me sepultaram naquela vasta tumba silenciosa
Mas ainda estou por perto.
[7]. Voarei numa nave
Até o limite do universo
E quando eu chegar do outro lado
Descobrirei um lugar para repousar meu espírito, se puder
Talvez eu possa me tornar um salteador outra vez
Ou talvez eu possa ser apenas uma gota de chuva
Mas sobreviverei
E retornarei
De novo, de novo, de novo e de novo...